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Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

 

Cada tempo, suas histórias

Era uma tarde de sexta-feira. Chovia. Nem sei bem se era chuva ou uma nuvem despencando a água já armazenada, há muito tempo. Parecia usar uns quantos regadores, desses de buraquinhos bem fininhos. E, estava friozinho. Por isso, o fogão à lenha fumegava, fazia uma semana. Uma tarde preguiçosa.
Como sempre, vovô muito falante resolveu contar uma história daquele tempo. Disse ele:
- Você ainda lembra, minha velha, do compadre Juca, aquele que morava num rancho lá nos fundos do potreiro do Velho Nego Tião? Andei sonhando com ele. Preciso acender uma vela, deve ser uma alma penada por vagando por aí.
- Claro quem sim, quem não sabe da história deles, eram alegres, festeiros, muito prestativos.
Quando a filha muito amada, menina mimada, Rosalinda Maria, começou a namorar, o compadre Juca foi logo avisando:
- A minha filhaé moça de família, por isso o namoro é aqui na sala. Nada de atrevimento. Só, até as 10 horas da noite. E, para saírem juntos é preciso pedir permissão. E lembrando, é preciso alguém da família estar junto. A minha afilhada, a menina Antonia, que mora com a gente vai ser companheira de namoro.
Ainda, comentou o compadre Juca, no meu tempo, nós só pegávamos na mão da noiva no dia do casamento. E quem vinha pedir a moça em namoro era o pai dele. Os tempos mudaram... É preciso ficar atento. Essa moçada, de hoje é ligeira... Como o peão não tinha pai, aceitou o pedido feito por ele mesmo.
Prontamente respondeu o pretendente, moço de muitas falas, tocador de viola:
- Não se avexe. Vou cuidar da sua filha, como se cuida de uma rosa. Para não desfolhar, nem o vento deve soprar nela. É a chinoca mais linda aqui dos pagos.
Foi logo conquistando todos da casa. Sempre, quando vinha namorar, a cada 15 dias, trazia rapadura, pé-de-moleque. Até palha, bem aparadinha, da melhor possível, bem macia, tirada do miolo das espigas de milho. O futuro sogro agradecia. Logo ia fazendo um bom paieiro de fumo de corda, comprado lá na venda do Serafim.
Depois de um bom mate, lá no cantinho da sala, os namorados podiam ficar alguns instantes sozinhos. Os pais, ficavam conversando em volta do fogão, era de pedra igual aos de galpão. Só iam dormir depois que Rosalinda estava na cama. E, os cachorros aquietados, sinal que o cavalo com o namorado estava longe. A mãe dava um beijo de boa noite. Verificava se a janela de tranca estava bem fechada.
O enxoval, há muito tempo iniciado, foi terminado. Mãe e filha eram prendadas. As toalhas, os lençóis bordados com crivo. As toalhas de mão com broia. Muitas peças de crochê. Até colcha de lá no tear. Colchão e travesseiros de pena de ganso.
O rancho para os dois morar também estava em construção lá na fazenda dos Biruba. A tabuinha estava sendo cortada com o enchó. O pinheiro foi dado. Pois, um danado raio, derrubou a sua majestade. Estava no topo da Coxilha, sólito, com os galhos lindos, pela idade, bem retos. O pinhão, era de melhor qualidade, tucanos, as tiribas, periquitos faziam ninho nos seus galhos.
O compadre Juca, estranhou quando o noivo pediu para apressar o casamento. Como a casa estava pronta, o padre ia passar pelas fazendas podia ser para dali um mês. O senhor Padre, percorria os lugares a cada seis meses, uma vez que outra, a cada dois meses. Sempre tinha batizados e casamentos para realizar, acertar algumas desavenças... Essa vez tinha o Campanário no Campo dos Andrades para abençoar.
O pai da rapariga, o compadre Juca, andou até achando estranho, mas tudo bem. Começaram os preparativos para a festa. O novilho pro churrasco estava gordo, o porco no chiqueiro, não podia mais levantar-se. Até galinha assada e recheada havia. As saladas foram caprichadas. Não faltou maionese. A Sinhá Maria ficou encarregada das cucas. Teria de laranja, para os que gostassem, só com farofa.
Quando havia sinal de uma festa, era alegria só. Todos eram convidados mais que a moça Rosalinda Maria, filha única, ia se casar bem. O padrinho do moço disse que daria umas cabeças de gado pra começarem a criação. Ganharam o pedaço de campo, onde foi construída a casa. Tinha até um monjolo, com alambique.
Foi uma festança daquelas, o padre fez o casamento embaixo de um pé de imbuia, frondoso, a sombra abrigou boa parte dos convidados. Não faltou nem o foguetório, para assim trazer felicidade.
A comadre Lica, aquela de língua comprida, ligeira, andou cochichando entre a vizinhança, achar estranho, tanta pressa. Notou até estar a noiva um pouco pálida. Enfim, casados, a honra da moça foi resguardada.
A noiva passou mal no baile precisou tomar uns chás, mas era o nervosismo do momento, disseram. O baile foi no terreiro. Esse, bem varrido, sem nenhuma raiz, com taquaras em toda a volta, queimando banha de porco, iluminando a noite, dançaram até os primeiros raios do Sol, dar o ar da sua Graça.
Num canto, uma fogueira servia também para aquecer. O sala da casa era muito pequena para acomodar a todos. E, fazia tempo que não saía um casamento, com tantos convidados. A carne de porco assada, rolou a noite toda. As galinhas assadas foram servidas à vontade. Tudo foi pensado em bem servir. Não é sempre que se casa uma filha. Ao meio-dia, o churrasco estava uma delícia. As cucas, assadas no forno de brasa, ficaram na medida Foi uma festança como há tempo não se via. Serviu de comentário por muitos dias. Não faltou, vinho, cerveja feita em casa. E, limonada ou laranjada para as crianças.
Como os noivos foram morar quilômetros longe dali, a desconfiança, por certo tempo, caiu no esquecimento.
Passaram–se os dias e, na data de sete meses de casados, nasceu um robusto guri.
- Ainda bem, não é vovô... Essa história tá ficando comprida... Mas como terminou? - Perguntou a Izadora.
Olha, o compadre não foi conhecer o neto. Disse-me ele, "tenho vontade de ir lá, matar o desgraçado. Cuidei tanto da minha filha."
- Ora compadre, só vai trazer lástima para a vida da tua Rosalinda Maria, do teu neto. O amor é assim, você sabe, nem sempre ele espera. Queria só saber onde foi, nunca deixei a Rosalinda Maria, sozinha.
- Deixa pra lá, compadre, a vida continua. . .
O compadre Juca não aguentou o repuxo, os cochichos de quem não tem outra coisa pra fazer a não ser falar dos outros, foi embora pra bem longe daqui. Dizem que foi ser peão numa Fazenda nas Bandas do Uruguai.
Ficamos sabendo, dois anos depois, ter ele morrido de desgosto. E, nem conheceu o neto, mais os outros dez que tiveram. Foi enterrado no fundo do campo, junto com a sua velha. Ela não o perdoou por não ter deixado conhecer o piazinho. Nem se despedir da filha. Parecia ser um pai bondoso, porém o peso das crendices de uma época, falou mais alto. Em volta da sepultura, a pionada fez uma taipa com pedras. Rezaram e "disseram apesar de tudo era um bom homem. A tristeza foi maior que ele".
- Bem feito, disse Genevildo, quem manda ser teimoso. Não saber perdoar, ficar achando que só a sua verdade, é que vale. Ainda bem que os tempos são outros, não é vovô?
- Verdade, mas sempre é bom maneirar. Os bons costumes devem ser preservados. Não se deve trair a confiança dos pais. - Falou o vovô com voz solene.
– Me sirvam um broodô, com bastante queijo. Não se esqueçam do copo de vinho tinto. Quero da pipa de jequitibá, a última do porão, onde não pega luz alguma.
- Tá bom, vovô com suas histórias...




   
Publicado no livro "Seleção de Contos Premiados" - Edição Especial - Junho de 2014