João
Francisco Lins Maciel Borges
Belém / PA
O mistério da morte de Kirsten Manske
O casal Klaus (Kirsten) Manske emigrou da Alemanha
para o Brasil, fixando residência em Santos, cidade do litoral
paulista
Klaus Manske se dedicou à cafeicultura, tornando-se o grande
inovador do comércio do café a partir dos grãos
colhidos das fezes da ave conhecida por jacu.
Kirsten era dona de casa e administrava sua mansão cinematográfica,
onde eram empregados dois motoristas, cozinheira, copeiro, faxineiro
e jardineiro.
Ao contrário do cavalheirismo do marido, Kirsten era muito
temperamental e tratava seus empregados a patadas, não
poupando palavras e gestos para depreciá-los. “Vocês
são uns animais, seu bando de vagabundos” esbravejava
com frequência com seu sotaque alemão. Como recebiam
salário acima da média, os serviçais fingiam
relevar as injustiças da patroa, embora, na verdade, nutrissem
um grande ódio por ela.
Joana, a cozinheira, guardava mágoa da patroa por ter sido
acusada de roubar um anel de diamante, apesar de negar jurando
de pés juntos. Posteriormente, Kirsten lembrou que tinha
esquecido a joia dentro do guarda-roupa da suíte do casal.
José e Elias, os motoristas, já tinham sido injustamente
acusados de desviar gasolina e peças dos carros dos patrões.
Jarbas e Rubens, copeiro e faxineiro respectivamente, eram, com
frequência, taxados de preguiçosos e relapsos, além
de sofrerem descontos em seus salários dos valores das
louças ou objetos que aparecessem danificados, mesmo que
não tivessem culpa.
O serviço do jardineiro Francisco jamais agradou a Kirsten,
ainda que realizado com esmero, carinho e dedicação,
tanto que o jardim da mansão ganhou até prêmio
de uma revista especializada.
Certa noite, Klaus e Kirsten protagonizaram uma discussão
homérica que culminou com ameaças recíprocas.
Tudo começou quando a mulher encontrou no bolso da calça
do marido uma minúscula calcinha comestível. O ciúme
foi tanto que Klaus foi obrigado a comê-la, não a
mulher e, sim, a calcinha.
Pela manhã, mesmo sob uma chuva torrencial, Klaus viajou
a capital paulista, para retornar à noite. Kirsten, ainda
furiosa com o episódio da noite anterior, não quis
acompanhar o marido.
Já passavam de vinte e duas horas, quando Klaus retornou
à mansão dirigindo seu carro.
Qual não foi seu espanto ao se deparar com Kirsten, jazendo
no meio do salão. Incontinente, Klaus acionou a polícia
e a perícia.
Os empregados, prestando depoimento no inquérito policial
instaurado, descreveram seus álibis.
O motorista José disse que não viajou com Klaus
para São Paulo, pois foi dispensado, se retirando para
sua casa meia hora depois da saída do patrão.
Joana declarou ter preparado o almoço que foi degustado
pela patroa. Neste dia saiu mais cedo que o normal, após
aprontar o jantar.
Elias, o motorista de Kirsten, disse que, pela manhã, levou
a patroa à boutique, comprou o seu lanche favorito, retornando
com ela antes do almoço. Deixou a mansão às
dezoito horas.
O jardineiro Francisco disse que cumpriu seu expediente normal,
apesar de nada fazer nesse dia, uma vez que a chuva se encarregou
de regar o jardim. Saiu depois das vinte horas.
Jarbas informou que cumpriu seu serviço de copeiro. Serviu
café para a patroa em duas ocasiões. Foi embora
às vinte horas.
Rubens disse ter realizado toda a faxina da mansão, sendo
o primeiro a sair, por volta de dezessete e trinta horas sem,
antes, verificar se o sistema de alarme estava funcionando.
O delegado dispensou todos os empregados, ressaltando, porém,
que poderiam ser chamados novamente até a completa elucidação
da morte de Kirsten.
Dois dias depois, o jardineiro Francisco retornou à delegacia
e ao delegado narrou com detalhes o que se passou no dia da morte
de Kirsten.
- Naquele dia, como chovia e trovejava muito, fiquei sentado no
depósito onde são guardados os utensílios
de jardinagens, os herbicidas e formicidas. Pela parte vespertina,
minha patroa chegou com uma xícara de café na mão.
Sem razão alguma, me aplicou uma tapa na costa e gritou
no meu ouvido: “o que estás fazendo aí, seu
verme vagabundo?”. Fiquei odioso. Tive vontade de matá-la
ali mesmo quando voltou para buscar a xícara de café
que tinha esquecido em cima da mesinha ali existente, mas me controlei.
Porém, prestes a deixar a mansão, fui à procura
dela. Encontrei-a gemendo de dor na porta da suíte. Tão
logo me avistou, desceu correndo a escada e parou no meio do salão.
Fui atrás dela, decidindo esganá-la. Quando tentei
abarcar seu pescoço, ela caiu morta.
No laudo de necropsia, consta ter sido encontrada no sangue e
estômago da morta substância tóxica a ser identificada,
além de fezes de uma ave misturadas ao café. Por
outro lado, inexistem sinais de violência no cadáver.
A “causa mortis” foi envenenamento. Um dado relevante
foi o fato de as câmeras de vídeo da mansão
terem sido desligadas naquele dia.
Por que Joana saiu, naquele dia, antes de servir o jantar para
sua patroa?
Não teria Francisco colocado herbicida ou formicida no
café quando sua patroa deixou a xícara na mesinha
do depósito? Mas, então, por que confessou ter tentado
esganá-la, se poderia ficar calado? Seu segundo depoimento
teria o objetivo de encobrir o verdadeiro assassino?
Jarbas, em duas ocasiões, serviu café para Kirsten.
Foi ele que envenenou o “jacu bird coffee”? Teria
motivo para tal?
Foi Klaus o responsável pelo envenenamento do café?
Seria sua amante a dona da calcinha comestível, pivô
da briga do casal? Teria interesse na morte da esposa para ficar
com a amante?
O motorista José não teria ficado escondido no interior
da mansão e desligado as câmeras de vídeo?
Não teria Elias, por acaso, envenenado o lanche da patroa?
E, quanto aos demais empregados, o que dizer?
Com vocês, lúcidos leitores, a palavra final sobre
o autor da morte de Kirsten Manske.
“Há certas vítimas que são mais
culpadas pelo crime do que os assassinos”. (Hideraldo Montenegro)
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