Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

 

 

No aguardo da viagem

 

 

          

      Desde há muito tempo, quando iniciamos a jornada de ser Professora, começamos  a incentivar e despertar nos alunos o desejo de conhecer a Geografia, começando pela do cotidiano; foi ela a primeira das ciências. 
         - Para onde vou? 
         - Que direção vou tomar?
         - Vai chover? Onde vamos encontrar uma saliência na rocha para nos abrigarmos? 
         Essa ciência usamos desde que levantamos: Para que lado da cama, vou sair.
         E, quando vamos dormir:
         - Onde está o quarto?
         Portanto começamos e terminamos o dia usando a Geografia.
         E a Terra, então, com seus lugares majestosos, todos aparentemente iguais, mas muito diferentes, na realidade. 
         Seu povo e, junto com ele, a sua cultura que embora até dá para dizermos que é a mesma, é especial para cada comunidade. Cada localidade grande ou pequena tem as suas peculiaridades. Ainda, cada ser humano tem a sua identidade.
         Esses ensinamentos passamos aos nossos alunos, com entusiasmo. Sempre, desde os tempos dos bancos escolares, tivemos o desejo de conhecer  Ushuaia, o lugar do Fim do Mundo. Com todas as suas excentricidades.
        Lecionamos 48 anos e 6 meses. Agora já faz 4 anos de aposentada e, com a Graça de Deus, vamos realizar o nosso sonho. Viajaremos para a Argentina e para o Chile, no começo do ano.
        Parece ser a primeira viagem que faremos. 
        Quando se realiza um desejo como esse, existe em torno de nós tantas expectativas que até parecem que nos tornamos adolescentes outra vez. Muita animação. Um misto de curiosidade, com um tanto de receio. 
        - É muito frio? Embora se saiba a temperatura. Não muito distante do verão de lá com o inverno daqui, quando esse se manifesta. 
        O glaciar, deve ser uma maravilha. Uma montanha de gelo. Embora a gente só conheça a geada. Um espetáculo muito bonito, principalmente os geadões ou a geada preta, aqui no Sul do Brasil. Muito fria, por sinal. 
       Já estivemos nos Alpes. Embora fosse verão, havia gelo nas montanhas. Uma maravilha ver o Sol refletido no gelo depositado nas encostas rochosas dos Alpes franceses. Eles resplandeciam.
       A neve já a presenciamos. Um espetáculo deslumbrante. O frio maior é quando começa a descongelar. Como lá nunca descongela. . . É gelo sobre gelo.
        A aspiração de estar no Oceano Pacífico, essa sim é inédita. Assim o maior Oceano será contemplado, e sentir o cheiro da sua salinidade, o murmúrio das águas. Avistar uma baleia. Não sei se haverá possibilidade de molhar os pés.  E, a possibilidade de dizer estive em 3 oceanos: Atlântico, Pacífico e Antártida.
        Já dissemos mais de uma vez:
        - Agora é que nós deveríamos começar a lecionar. Penso que todo o Professor deveria ter a possibilidade de conhecer os diferentes locais, para poder ensinar. Principalmente os de Geografia e de História.
        Lembramos de uma viagem que fizemos para o Nordeste brasileiro logo que começamos a trabalhar no então Cefet. 
        Éramos um grupo de professores do Estado do Paraná, lecionando na cidade de Pato Branco e todos os anos viajávamos para um local do Brasil com o intuito de adquirir conhecimento.  A justificativa que damos para pedir licença a Instituição para viajarmos que:
        - Como professora de Geografia havia a necessidade de sempre estar em busca de novos saberes para com eficiência, transmiti-lo em Sala de Aula.
        Fizemos plano de substituição. Bem entendido: substituição. Com aulas trocadas com outros colegas. 
        Não foram aulas que outro professor, simplesmente lecionou para nós. Como uma forma de favor. Os nossos alunos não perderam nem uma aula de Geografia.
        Apresentei o plano de Viagem. Autorizada, viajei feliz, pois gostamos de Viajar. Tempos depois, pasmem:
        - Recebemos a notificação que não fora uma viagem de Conhecimento e sim de passeio. Pois, até praia havia no itinerário. 
        Um, país Continente como o Brasil com 7.367km sem considerar as reentrâncias e saliências que somaria 9.200 km, como ensinar geografia sem falar em praia, litoral, recife, baía, porto, península, istmo, enseada, ponta, oceano.
        E, saber que não é nada do Oiapoque ao Chuí e sim do Cabo Orange, no Amapá até uma das curvas do arroio Chuí, que são as terras brasileiras banhadas pelo Oceano Atlântico. 
        Nessa viagem em especial, aprendemos que estávamos ensinando o que é "recife" não de forma muito correta e que o nome que muitas vezes só é arrecife. Ainda os Abrolhos, que é: “abre os olhos” para não haver naufrágios. 
        Não houve justificativa que satisfizesse os ilustres Diretores e Chefes de Departamento. Tivemos autorização de alguns deles, os nossos chefes imediatos. 
        Como a viagem para nós foi sensacional e trabalhar não mata ninguém a não ser os trabalhos forçados. 
        Encaramos como dor de cotovelo dos Chefes que muitas vezes vivem para atormentar os seus servidores. 
        Mas, depois do expediente cumprimos um horário para repor a Viagem da Professora de Geografia que saiu do Sul do Brasil e foi conhecer o Nordeste brasileiro a mais de 26 anos atrás. 
        O conhecimento que adquirimos ninguém nos rouba e o prazer da viagem de ônibus com mais de 3 mil km de ida e outros tantos para voltar. Com tantas paisagens e lugares surpreendentes. Até as lavadeiras dos rios, usando as pedras como se fossem as tábuas dos tanques que temos em nossas casas.
        Essas viagens todas vieram à tona. Por alguns anos investimos em educação fomos conhecer um pedaço desse imenso Brasil. 
        Viajar é passear, obter conhecimento, descansar da rotina do dia-a-dia. 
        Assim agora iremos para Ushuaia. Ainda vai ficando, para outro momento, como um outro grande sonho. O de irmos visitar Machu Picchu. Que com certeza será o próximo passeio com Conhecimento, e com muita alegria para então poder Viajar.


 

 

 
 
Poema publicado no livro "Contos Premiados" - Edição 2019 - Abril de 2020