Júlio César Freid'Sil
Rio de Janeiro / RJ
Gostoso lara
Orfeu desce o morro. Com sua lira na mão, vai cantarolando o samba de sua escola. Vestido num terno de mais puro linho branco, sapato bicolor, blusa vermelha e chapéu de panamá. Chega à avenida para desfilar. Na concentração, em meio a brindes com cerveja, abraços e cumprimentos, é apresentado a Iracema.
Assim deu-se o primeiro encontro do poeta do morro com a moça de sorriso doce, fala cantada, como uma toada em “Lara”, pele escura, pela clara. Uma mulher-menina e homem que já escreveu sua sina. Encontro de duas realidades opostas. O dia, a noite. O sol e a Lua.
A escola passou, ele voltou para o seu barraco no alto do morro. E compôs um samba de amor, amor de carnaval, uma fantasia. Ela, num “estado” de cárcere, como uma fortaleza, ouve o “Lara” do seu poeta. A flecha certeira do cupido vazou a sua armadura, ela reconheceu a ternura, e voou até o encontro de suas almas, abraço quente, longo e o primeiro beijo mais doce que o favo de jati. Um instante mágico.
Eis que surge uma águia,com plumagem branca e azul, dá um voo rasante e leva sua musa para bem distante, no alto de uma montanha, onde vivia a tribo dos pitiguaras. Lá, em meio a um ritual, ela é levada a tragar fumaça da erva cannabis sativa, entrando em transe, perdendo sua identidade, suas ideologias. Orfeu transtornado, clama aos seus ancestrais por ajuda divinais, pra vencer a profecia. De que esse amor fosse apenas fantasia.
A esperança vence o medo, o amor resiste aos efeitos da droga que vicia. Eles já têm um encontro marcado, seres apaixonados como já foram um dia. Há de ser marcante, sorrisos esfuziantes, a beira do mar. Uma energia sem igual, maior que no carnaval, e fogos explodindo no ar. E o canto de Orfeu, que nesse conto emudeceu, volta como encanto a entoar, um gostoso “Lara”.
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