Primeira vez neste site? Então
[clique aqui]
para conhecer um pouco da CBJE
Antologias: atendimento@camarabrasileira.com
Produção de livros: cbje@globo.com
Contato por telefone
Antologias:
(21) 3393 2163
Produção de livros:
(21) 3547 2163
(21) 3186 7547

Otaviano Maciel de Alencar Filho
Fortaleza / CE

 

O mito que incomoda

No início da década de 1970, no município de Fortaleza, capital do estado do Ceará, foi inaugurado, aquele que seria, para a época, o maior conjunto Habitacional da América Latina. O empreendimento foi realizado na gestão do então prefeito da cidade, José Walter Cavalcante. Em sua homenagem o conjunto residencial recebeu seu nome.
Naquela época o contingente populacional não tinha expressividade numérica que situasse a cidade como uma cidade de grande porte. O número de cidadãos fortalezenses era inferior a um milhão de habitantes, bem diferente da realidade de hoje em dia: Fortaleza tem aproximadamente três milhões de habitantes e conta com um parque industrial e comercial de significativa relevância econômica, o que a coloca entre as cinco maiores regiões metropolitanas do país. A cidade até então era conhecida como uma cidadezinha de pescadores, onde a indústria e o comércio eram incipientes.
A partir de então houve um grande avanço nestes setores da economia com a implantação de indústrias, gerando, dessa forma, um incremento na área comercial, e assim o município começou a receber trabalhadores vindos do interior do estado, e até mesmo de estados vizinhos para comporem a mão de obra necessária à manutenção dos respectivos setores, alavancando, dessa forma, o progresso municipal.
A população começou a aumentar e o conjunto José Walter passou a receber seus primeiros moradores. Muitos passavam o dia trabalhando no centro da cidade ou em locais mais distantes do bairro onde o conjunto se localizava.
Devido à localização distante da sede do município, - o conjunto situa-se na zona sul da cidade - passou a ser conhecido por “Cidade dormitório”, já que alguns moradores só voltavam ali tarde da noite para dormirem e no outro dia, de madrugada, retornavam às empresas onde trabalhavam. Outros trabalhadores passavam dias sem retornarem a seus lares. Nessa época não existiam vias recortando a cidade como nos dias atuais, tampouco um sistema de transporte público eficiente.
Com a ausência dos maridos em casa, as esposas ficavam sozinhas o dia inteiro e isso serviu de motivo para que surgisse uma lenda por parte das pessoas: Diziam elas que os maridos estavam sendo “traídos no matrimônio”, de vez que as mulheres não suportando muito tempo sem a presença do parceiro passavam a receberem a visita do “negão”, do “Ricardão”, do “pé de pano” e por ai vai. Outra lenda reza que por serem todas as casas iguais às outras, o marido quando retornava do trabalho, muitas vezes errava de casa, adentrando em outra que não a sua. Existem várias outras hipóteses para o surgimento desse mito, cada um mais extravagante que o outro.
A partir de então os homens passaram a ser tachados de “cornos”, “chifrudso” e coisas do gênero. O bairro passou a ter a fama de ser um local onde quem ali morasse ficava conhecido pela difamatória alcunha de “corno”. 
A fama do bairro foi tanta que ultrapassou os limites do município e hoje o “Zé Walter” é conhecido no Brasil inteiro e até no exterior.
Surgiram, então, várias piadas a respeito do conjunto, por exemplo, a que diz que se houvesse uma chuva de argolas nenhuma cairia no chão. Outra diz que com tantas “antenas” no bairro todas as estações de rádio e televisão, inclusive as estrangeiras, seriam captadas sem problema algum. Outra assevera que se contassem as casas no sentido de ida existiria um corno em uma e outra não e no sentido de volta aconteceria o mesmo. Já se cogita que a NASA estaria recrutando os homens da região para participarem de um projeto de busca de vida em outras galáxias. A participação se daria da seguinte forma: Formar-se-ia um grande círculo com os homens que, de mãos dadas, e estes por sua vez ligados a modernos computadores, apontariam suas potentes “antenas” em direção ao espaço esperando algum sinal a ser registrado pelos equipamentos.
Existe até uma associação. Isso mesmo: Associação dos Homens Mal-Amados do Ceará. O sócio tem direito a assistência jurídica e psicológica entre outros serviços. Um dos grandes desafios é encontrar um presidente para a associação, pois o atual vai deixar o cargo que ocupa há mais de quinze anos. O problema é que até o momento não apareceu candidato algum.
Outro dia, andando pelo centro da cidade, resolvi parar e observar dois homens que, pelo jeito que se comportavam, eram amigos que não se viam há bastante tempo. Conversavam animadamente:
- Faz tempo que não te vejo, Mário. Como está você e a família?
- Estou bem, Claudio, obrigado pela atenção dispensada!
- Está morando muito longe de onde morava?
- Estou morando lá no Mondubim.
Claudio, notando em Mário certo constrangimento ao responder a pergunta, aproveitou a ocasião para tirar um chiste.
- Ah! Você tá morando no “Zé Walter”, né?
- Não, é no Mondubim, um bairro vizinho ao “Zé Walter”. - Sentenciou Mário.
- Deixa de “besteira” Mário, o José Walter é um bairro bom para morar, por que não diz logo que está morando lá?
Impaciente e desconsertado com a conversa, Mário redarguiu:
- Já te disse que não moro lá, tá achando que sou “corno” para morar no “Zé Walter”?
- Não, não é isso... – Falou Claudio, morrendo de rir da atitude do amigo.
Os dois continuaram a conversa e eu saí pensando: o cearense é mesmo um sujeito bem-humorado, pois até de uma situação ruim ele sempre tira motivos para risos. 

 

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de quem passa... de quem entra... de quem sai... " - Dezembro de 2015