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Helena Maria S. Matos Ferreira
Guapimirim / RJ

Teimosia de viver

  


Sol ofuscante. Os olhos do menino doem com tanta claridade. Menino esquelético, costelinhas aparecem sob a pele desidratada. As coxas tão finas quanto as pernas. Os pés grandes, rachados, pisam uma terra mais rachada e desidratada ainda. O sofrimento sulca seu rosto jovem e maltratado. Agacha-se e segura um torrão do solo. A terra esfarela-se entre os dedos finos e nodosos. – Mãinha, não tem nem sombra de minhoca. A terra está morta, mãinha! E nem uma nuvem no céu. Queria ver pelo menos uma nuvem, para imaginar um boizinho, bem gordinho.
A mãe sussurra algumas palavras que parecem uma oração. E continua absorta, sentada em um tronco bastante ressequido. O desânimo estampa-se em seu rosto sofrido. Seus lábios são descoloridos como o pano que cobre seus cabelos. O seu peito magro suspira e respira com dificuldade. Os pulmões já estão insuficientes para suportarem tanta opressão. Os seus outros filhos não resistiram à seca e o marido debandou, enlouquecido. Só lhe restou o menino esquelético, que teima em viver, em falar, em brincar com ossinhos, fantasiando carrocinhas, bodinhos, cadeirinhas e balancinhos.
A criança pergunta para a mãinha, aonde deveria pendurar o balancinho. A mulher fita-o sem entender a indagação. A fome comeu o seu cérebro, a sua vontade e já nem enxerga direito o seu filho. Pobre menino! Pergunta-lhe mais uma vez, sacudindo-a pelos braços. Coloca a cabeça em seu colo magro e a criatura, já meio insana, dá uma gargalhada e mais nada. A sede consome suas veias, o seu sangue não flui satisfatoriamente pelo seu corpo franzino e mal vestido.
O que fazer? – Pensa o menino Severino. Deita-se então na terra ardente, abre os braços e reza a Deus. Cerra os olhos e sonha com a chuva caindo sobre o seu corpo magro. Sente os pingos grossos em seu rosto, em seu peito. Abre as mãos para sentir as gotas benfazejas.
Sonhar é um dom que Deus nos deu. Seja dormindo, seja acordado. E a criança reconhece com plenitude tal maravilha. Na terra ressequida do Nordeste ou na terra encharcada do Sul, haverá sempre um menino sonhador, a sorrir, esperançado e vitorioso.
Porque o impossível acontece.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de quem passa... de quem entra... de quem sai... " - Dezembro de 2015