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Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

 

O reencontro foi ele encantado

  

A escola Agostinho Pereira tem um corredor amplo, onde a gurizada deslizava mesmo sendo proibido. As salas grandes, bem arejadas, janelas bem posicionadas sem precisar de energia elétrica, durante o dia.
As quintas séries, com as dificuldades tradicionais; alunos entrando na adolescência, cheios de dúvidas sobre a vida, sobre o próprio corpo. Os hormônios não dando trégua alguma. Salas com 40 ou 45 alunos. Professores com 40 ou 44 aulas, cansados da mesma rotina, isso, lá nos idos dos anos 80.
Difícil de trabalhar, pois os adolescentes não têm ainda a capacidade inerente a sua idade, de ficar parados, ouvindo por uns instantes uma explicação necessária. Só se for a música que apreciam. Não conseguem prestar atenção por muitos minutos. A vida mostrou que mesmo com todas essas dificuldades professores e alunos sobreviveram.
Quero me deter numa sexta série do ano de 1988, onde aconteceu uma cumplicidade entre a professora de geografia, com um dos alunos. Fato revelado 20 anos mais tarde.
Muitas vezes pensa-se ser a sala de aula, só uma passagem entre, educandos com o educador. Mas a magia de uma escola se manifesta de muitas formas
Alguns alunos não passam, eles ficam presentes na memória da existência. Um piazito, em especial, daqueles bem sapecas, capaz de aprontar todas, muito inteligente, hoje comenta:
- Não posso reclamar dos meus alunos, tenho as minhas experiências.
A professora de geografia, sem saber foi modelo para ele. Numa das broncas retidas na memória conta o ex-aluno, depois de mandá-lo sentar pela décima vez, parar de andar de carteira em carteira, conversando, mexendo com os outros alunos que faziam a lição. Com os nervos à flor da pele, ela ergueu a voz com a autoridade inerente ao momento disse:
- Você, vai sentar-se e, de boca fechada! Parece o Bobo da Corte, quer aparecer, suba na torre da Igreja e badale com o relógio.
Na época, a Torre da igreja com o relógio, era o ponto mais alto na cidade. Hoje ele memoriza:
- Aquilo doeu. Eu, ser o Bobo e da Corte,. Ao menos naquela manhã fiquei quieto na carteira e calado. A chamada produziu efeitos. Eu, não gostava de aparecer, mas sim de ser admirado pelo que sabia e, não servir para distrair a turma. Sempre fui um líder, mesmo antes de ter noção do que era ser.
Assim o tempo foi passando, desde as quintas séries individualistas, sem querem saber de namorar, já na sexta série, onde todos namoram ao mesmo tempo, os bilhetinhos apaixonados, com abraços e beijos expressos, passam de carteira em carteira. Correm ou voam soltos pela sala. Uma idade bonita.
Na sétima série, os casaizinhos se formam, cuidam um do outro, com carinho. Ajudam-se nas tarefas. Quando chegam à oitava, é mais complicado. São senhores do Mundo, já sabem tudo, pois a final vão se formar da li alguns dias. Lá, pelo mês de agosto, os sábios meninos e meninas querem dominar o mundo.
As meninas desenvolvem-se mais rápido, não querem mais namorar o colega da oitava, preferem os meninos do Ensino Médio. Eles, os da mesma sala, muitas vezes ficam até em quinto plano. Dá cada entrevero, se faz necessário, às vezes a intervenção do professor. Enfim são os Senhores Adolescentes, vivendo um período da existência. Aprendendo a viver, conviver com as diferenças.
Voltando ao herói da história, continuou se destacando, sendo líder nas séries que foi cursando. A professora de Geografia apesar de ter convivido apenas um ano, ficou na memória. Na hora de escolher a profissão sem titubear declarou:
- Vou ser professor, de G-E-O-G-R-Á-F-I-A. Amar a vida, cuidar da Terra, conviver com os seres vivos. Descobrindo as maravilhas do Universo, entendendo as artimanhas dos seres humanos na luta pela sobrevivência, falar das belezas desse país continente, é o que eu quero.
Muitos dos trabalhos e projetos na Faculdade foram elaborados em cima de estudos da professora da 6ª.série, agora uma professora Universitária, Pesquisadora, com trabalhos editados. Não esqueceu o nome de quem ele sempre admirou. Os dois, professora e alunos, nunca mais tinham se encontrado.
Diz o aluno: Eu nunca mais esqueci, resolvi ser o Intelectual da Corte. Sendo a Corte um lugar nobre, a escola,
onde me realizei.
Na universidade, a professora que passou por todas as estâncias do magistério, leciona agora nos cursos de Engenharia, aconteceu o re-encontro, 20 anos depois.
Foi formada uma Banca para contratar um professor. Quando ela recebeu o plano de aula para análise, algo naquelas páginas chamou atenção. O conteúdo, com muitos desenhos para explicar os acidentes geográficos, os fatos da disciplina. Havia uma magia que imanava das páginas escritas. O nome do professor não estava revelado. Pensou a mestra:
- Engraçado, parece ser as minhas aulas. Como não somos seres insubstituíveis, sempre encontramos alguém que nos sucede no modo de pensar, de agir. Chegou o grande dia da aula expositiva.
O professor com seus quase trinta anos apesar do nervosismo, pois pleiteava uma vaga na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, se saiu muito bem. Senhor da sua disciplina, conhecedor do conteúdo, dominava como poucos o conhecimento da ciência Geográfica, até as amarras, bem agosto da professora, sabia fazer sem pestanejar.
O nome não lembrou um ex-aluno. Nem a fisionomia, pois eles crescem se tornam homens e mulheres, mudam o rosto de criança que traziam. Houve uma empatia, o tom da voz, o timbre, recordou a professora o tempo de sala de aula de 5ª. 8ª série.
 Com carinho, ela viajou pelo passado fazendo uma retrospectiva educacional, lembrando bons tempos, das dificuldades enfrentadas.
Terminada banca, depois do tempo exigido para os avaliadores darem as notas e de outros candidatos se apresentarem, veio o moço e solenemente comunicou:
Prof. fui seu aluno no Agostinho Pereira, numa sexta–série. Como uma cortina que se abre a professora confessou:
- Por isso que eu encontrei muito das minhas aulas no teu projeto, na tua maneira de expor a disciplina de Geografia. Cheguei, a ver em ti, os anos passados, quando eu tinha a tua idade, quando só lecionava no Fundamental. Parabéns, agora vamos ser colegas na Universidade.
Acolhi o professor como um grande amigo, expus aos outros professores a satisfação profissional de tê-lo como colega, um antigo aluno e, ainda da mesma disciplina.
Compartilhar a mesma sala dos professores, conversa, trocar idéias, falar das dificuldades, sempre enfrentadas em sala de aula, mesmo sendo, tempos depois. Ainda mais com quem se teve experiências, mesmo em situações opostas, com pontos de vista diferentes, é muito bom.
Assim como esse professor, o aluno de hoje pode ser o colega de amanhã. É preciso saber conviver com essa diferença/igualdade. Dar opinião mesmo tendo ainda como diferencial extracurricular, o livro didático analisado junto, falar de assuntos inerentes a educação, em pé de igualdade, são experiências, vão além das paredes escolares.
A vida é a de idade, a grande lição, elas extrapolam as paredes do grande laboratório que é uma escola.
Histórias de quem passa... de quem entra... de quem sai... dos que ficam para sempre.
Os encontros encantados, de vez em vez, acontecem.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de quem passa... de quem entra... de quem sai... " - Dezembro de 2015