Primeira vez neste site? Então
[clique aqui]
para conhecer um pouco da CBJE
Antologias: atendimento@camarabrasileira.com
Produção de livros: cbje@globo.com
Contato por telefone
Antologias:
(21) 3393 2163
Produção de livros:
(21) 3547 2163
(21) 3186 7547

Neide Araujo Castilho Teno
Dourados / MS

Visita casual

  

  

Graças à literatura  que podemos falar das nossas raízes , de um tempo do passado que não pertenceu a nós, mas que trouxe relíquias e reflexos de pessoas e fatos que viveram nesse período longínquo. Pode-se descrever que minha relação com a literatura principiou, em tempo de escola, época também  que meninas não escreviam poesias, mas eram apaixonadas por cartas, desde as familiares até as amorosas. Com ou sem sentimento das palavras, jogo com a ficção e as verdades, mas este conto juro que é a própria verdade.
Nas leituras realizadas de romancistas como Raquel de Queiroz e Machado de Assis posso  concluir  que os acessórios literários sempre mostram uma realidade social, que muitas vezes não agradam a todos, mas sabemos que tratam de verdades.  Tudo o que posso adiantar-lhes é que o conto mexe com a alma, desvelam acontecimentos, costumes e tornam memorias.
Muitos da família Pires Araújo moraram na fazenda São João tão perto da cidade, assim como muitos residiram por lá por longo tempo, foram criados na seiva da terra e na lida do gado, mas já se foram: Darci, Jose Antônio, Arlindo. Outros derramaram o suor nas construções das estradas, das casas, dos barracões, da queijeira, da sede da fazenda, do largo pátio secador de café e das habituais lida com o gado: Geraldo, Sebastiao, Amauri.
Conto minhas histórias em formato de conto porque falo  do lugar onde nasci, falo com quem convivi, vi e participei de ações, de artes, travessuras, brincadeiras,  que de certa maneira, são minhas  histórias de vida , alimentadas  de fontes que se constituem indícios, vestígios e pistas  para compreender as ações humanas no tempo e no espaço.
Abro lentamente a memória hoje para falar de um ontem com passados de sessenta e quatro anos de existência. A fazenda do vovô existiu, o lugar ainda existe, porque as terras são imortais, mas já não é o mesmo lugar que nasci. Falta tudo agora: as porteiras, as galinhas, os porcos, as vacas, a cana, o cafezal, o mastro de São João, o paiol, as paineiras, os batedores de roupas, as goiabeiras, as laranjeiras, os pés de pinha, as mangueiras, enfim tudo.
Busco na memória ora coletiva, ora individual as lembranças vividas ou as que foram repassadas, mas que de certa maneira elas pertencem a uma  comunidade toda, ou seja,as famílias. Esse tipo de conto joga com características bem específicas: ou gira em torno de lembranças do cotidiano, ou faz  referências a acontecimentos históricos valorizados por quem escreve o conto, e assim  idealiza o passado. De certa maneira trago nos contos que escrevo a própria identidade da família, como esse de uma visita casual para revelação dos costumes familiares de um tempo passado.
De repente, ao cair da tarde, algumas mulheres recolhiam as roupas lavadas, alguns homens apartavam os bezerros para o outro dia, outros tantos tratavam das aves no quintal. Lentamente, a porteira de madeira dá um sinal e ouvimos o vozeirão de pessoas.
Com as roupas nos braços, dona Odete sussurrou baixinho a companheira:
- Seu Joaquim está chegando com a família.
- Nossa trouxe mais gente, como coube tanta gente nesse carro-completou Nita.
-Chiii! Vamos ter que fazer janta - murmura a terceira nora do seu Joao Pires de Araújo.
As visitas caminharam pelo terreiro em direção as escadarias da casa da sede e de longe se via dona Maria, Senhor Joaquim, senhor Olivardo entre outas crianças, que não eram de conhecimento da família Pires Araújo.
Dona Vindilina, como era de costume, saía prontamente para atender as visitas. Juntando o avental com as mãos , como que as secasse com a barra do aparato estendeu as num boa-tarde muito animada, parecendo  que adivinhava as boas novas da visita.
- Que surpresa Maria!! Há tempo vocês não vinham à fazenda - disse dona Vindilina.
- A falta de chuva tem nos impedido de sair muito, o carrapato atacou o gado, o pasto secou muito e o leite mingou. Se o dono não tiver de olho , a coisa vai para o brejo-respondeu –a comadre Maria.
Mal a comadre completou a frase, senhor  Joaquim completa:
- Viemos confirmar o convite para o terço de São Pedro lá em casa, como de costume, São João é aqui na sua casa e São Pedro na minha. Avise os meninos - Sebastião, Geraldo , Amauri, Durvalino.
Antes que  a conversa tornasse animada , senhor Olivardo convida os pais para outras visitas, no intuito de estender o convite a outras da família.
A memória e as histórias de vida são assim, ganham contornos à medida que as lembranças buscam significados.

 

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de quem passa... de quem entra... de quem sai... " - Dezembro de 2015