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Gabriel Antonio Ogaya Joerke
Cuiabá / MT

 

O aniversário da Alice

 

            Agosto, mês de desgosto? Ou, a gosto de quem? Dela, não seria! Afinal completaria oitenta... e algumas primaveras, em quinze de agosto daquele ano. Parece coisa-feita de adrede. Da filha? Não chegaria a esse ponto. Isso tinha cheiro de desafetos recentes, no grupinho de aventalhadas futriqueiras do pedaço.
            Um cheque de dois mil reais, antecipadamente fora dado para o boteco, no qual aconteceria a festança e o saracoteio. Incluía o salão longilíneo, em formato de ele – para recepção e cantorias –, o bolo confeitado e isento de simplicidade, salgadinhos diversos e a comanda para bebidas. Tudo programado pelos filhos, como de costume.
            Ficou no programa mesmo!
            Era tanta a euforia que invadia Alice quá-quá-quá, no momento em que partilhava, amorosamente, uma pizza com amigos – em número de seis –, na mesa do bar, que se esqueceu dos bicudos e despeitados que, como moscas varejeiras, se acotovelavam, sorrateiramente, para escutar a história do seu fatídico aniversário.
            A Casa de Convivência era sua perdição, pensava a filha que mora com ela. Mais especificamente, as serestas, cantorias e os amigos com os quais partilha momentos alegres durante a semana.
            -  Mamãe, parece que vai chover! Mamãe, parece que vai fazer frio. – eram desculpas frequentes que a filha interpunha à mãe para que não saísse de casa.  Nada a segurava. 
            Três dias antes do seu aniversário, quando tudo estava pronto para a festa, lá estava Alice, na Casa de Convivência, aguardando sua vez para cantar “Fez bobagem” (José de Assis Valente), sua música predileta – outro momento conto o motivo. De repente caiu uma chuva fininha acompanhada de vento que vinha do mar; a cantora de samba resiste e se expõe à intempérie. Ao sair do recinto sentiu o corpo tremer de frio; pegou o ônibus para o bairro de Fátima e, para piorar, o ar condicionado estava gelado.
            - Meus dentes começaram a bater, que nem matraca na Semana Santa: crá, crá, crá. – gesticulava Alice.
            - Mal consegui chegar a casa e, me joguei sobre a cama; tremendo da cabeça aos pés. Por sorte minha filha estava em casa para acudir-me. – prosseguiu a cantora.
             Chegou dia quinze e lá se encontrava, na cama do hospital, com pneumonia galopante. Chorava, não de dor, mas, por pensar em toda a festa que teria perdido: quanto bolo desperdiçado; o vestido vermelho, todo cheio de brilho, dependurado no cabideiro; as meias-arrastão sobre os sapatos com fivelas douradas e, o arranjo de cabeça na quina da cadeira.
            - Ah! Como sofri pensando nisso tudo! – resmungava.
            - Agora estou quase boa. Por sorte, tenho uma filha enfermeira que providenciou tudo no hospital. – sentou-se consolada.
            - Remedinho, soro; remedinho, soro; remedinho, soro. Agora tudo na hora certa: almoço, lanchinhos e, antes de dormir, o leitinho morno. – Alice era acompanhada pela filha.
            Enquanto permaneceu ausente da Casa de Convivência, chorava de saudades de tudo isso – cantorias, amigos e risos. Agora retornara a suas atividades, embora, com cautela: echarpe, chapéu, blusinha leve e guarda-chuva, na bolsa.
            Alice continua cantando e feliz; mesmo com o seu moreno fazendo bobagens.

 
 
Conto publicado no livro "Contos Selecionados de Grandes Autores Brasileiros" - Maio de 2016