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Rosimeire Aparecida de Sousa
Martinópolis / SP

 

Histórias de Viajante – Parte I (O bêbado)

 

Quem sempre viaja de ônibus, possui uma grande coleção de histórias para contar, algumas vezes tristes, algumas com tragédias, outras com conversas fiada, outras com risos e algumas que até parecem mais piadas.
Como viajo diariamente a caminho do trabalho, acredito ter algumas histórias de cunho próprio sejam por mim vivenciadas, ou por outros a mim narradas para contar, gostaria de dividi-las, com a minha visão e sentimentos diante do ocorrido, claro que também com alguma “coloração” de como imaginei a perante a realidade, distante de uma fria sensação que talvez teriam outros viajantes ao passarem incólumes perante a participação.
Nesta criação e narrativas das histórias, sejam elas vivenciadas por mim ou a mim repassadas, espero que divirtam-se.
Era noite certa vez, tinha ficado até mais tarde trabalhando, saí do trabalho bem cansada, com fome, naquele dia “peguei” o ônibus que partia as nove da noite.
Consegui um lugar mais ao fundo, um lugar até confortável, o ônibus não estava muito lotado a ponto de ninguém viajar em pé como era de costume, que alegria, pois isto era fato raro.
Como a viagem é de circular, o ônibus anda sempre com todas as luzes acesas, não sei se é fato para ninguém dormir ou para não corrermos nenhum acidente já que pegamos rodovia, mas isto não impede a ninguém de encostar-se nas laterais do ônibus e darem uma boa descansada.
Mas voltando ao fato em si e parar de “lenga lenga” com descrições, lá estava eu, sentada no meu cantinho, doida de vontade de chegar em casa, com uma fome insana.
Quando vejo entrar no ônibus um bêbado todo desgrenhado e mal lavado, senta-se no espaço reservado para deficientes físicos e fica lá em uma boa, este espaço nesta lotação fica em seu centro, visível a todos. Ele sentar ali não era problema já que não havia neste dia nenhum passageiro que necessitasse deste local, o divertido foi o ocorrido em seguida.
O bêbado estava tão mal que passou a imaginar estar com seus amigos por perto, talvez um grupo animado de pessoas em um bar e assim como ele estavam usufruindo de uma saideira, conversando em alto e bom som e “bota” alto neste som em uma conversa animada; aqueles que estavam querendo dormir não conseguiam, todos então bem acordados ficaram, observando o desenrolar da história.
Se já não bastasse a longa e “empolgante” conversa, o bêbado ainda tinha em suas mãos uma marmita, daquelas vendidas por muitos restaurantes em seu prato de alumínio, sabe-se lá desde que hora estava este alimento ali acondicionado, com certeza não era de agora.
Abriu a marmita com a maior desenvoltura, o maior cuidado e carinho, o cheiro de sua bela refeição passou a todo ônibus tomar conta, um misto de azedo, um agressivo inalar aos pobres viajantes. Eu que com fome me encontrava, neste instante de comida queria longe ficar, azia, ânsia e sabe-se lá mais o que de mim passou estar. O que mais desejava era que a viagem fosse rápida, com as narinas tampadas não poderia ficar... um nojo com certeza.
Ele então tinha amigos imaginários com quem efetuava uma efusiva conversa, uma marmita azeda e que a todos importunava e se já não bastasse ainda vivenciava os relativos efeitos do álcool.
Poderia ser muito trágica a situação, porém acabou se tornando engraçada e a todos fazer um pouco esquecer os quilômetros que ainda faltavam e o desespero que a nós angustiava.
O bêbado se revezava entre conversar, dar uma colherada em sua marmita e dar uma cochilada, intercalava as três atitudes, em ninguém prestava atenção, o ônibus era todo dele, ninguém ali estava a importunar. O mais engraçado era que em suas três divisões a nenhuma perdia conta, enquanto conversava, a marmita em uma mão segurava, a colher no ar parava, olhava do lado como se realmente ali alguém se encontrava, talvez quem sabe um fantasma, quando da cochilada era da mesma forma, esquecia que tinha amigos, a marmita por alguns e rápidos instante também era despachada e por mais incrível que pudesse parecer também não era derrubada, ficava sobre a palma da mão bem estabilizada. Todos observando tinham medo que em uma destas cochiladas a face na marmita “enfiasse”, mas como parece que tudo dá certo para estas pessoas, intacto conseguiu ficar, nem a marmita derrubar e nem o rosto conseguiu sujar.
Todos no ônibus acabaram rindo, em pouco tempo o ônibus era pura risada, não tinha quem não olhasse e observasse a situação, os mais tímidos olhavam discretamente e apenas sorriam, talvez rindo por dentro, ou mesmo guardando para em suas casas rirem da palhaçada.
Era um grito, uma conversa, uma colherada, seguida de uma “dormida” quase de rosto caindo em sua própria marmita, do nada e nos solavancos da estrada acordava, novamente levantava a cabeça e de todo e de novo a pasmaceira recomeçava.
Quando o ônibus em seu ponto final chegou todos já davam graças, não sei se por fugir do cheiro degradante ou se para ter paz e em suas casas logo chegar, poder dormir e suas vidas continuar.
Era um bêbado, uma longa conversa imaginária, uma marmita azeda e uma soneca desgraçada...

 
 
Conto publicado no livro "Contos Selecionados de Grandes Autores Brasileiros" - Maio de 2016