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Otaviano Maciel de Alencar Filho
Fortaleza / CE

 

Na companhia do pajé

 

Uma grande empresa que atua em âmbito nacional resolveu alguns anos atrás promover entre seus colaboradores um programa de incentivo à realização profissional, bem como trabalhar a qualidade de vida dos mesmos no ambiente organizacional.
Estrategicamente buscou-se a formação de um grupo de funcionários, escolhidos entre eles mesmos, para fazerem parte de um treinamento específico, que os tornariam aptos a serem multiplicadores do respectivo aprendizado dentro de suas unidades de trabalho, logo após o término da capacitação.
Foi contratada uma profissional atuante na área de treinamento motivacional, que então reuniu o grupo e delineou os trabalhos a serem desenvolvidos durante o período de desenvolvimento do projeto. Os encontros eram quinzenais, sempre no final de semana, de preferência nos sábados, de vez que grande parte dos participantes não dava expediente neste dia.
Nestes encontros era trabalhado o lado emocional do indivíduo, a conscientização ecológica, o respeito à diversidade, a responsabilidade social, o valordo trabalho para o crescimento tanto profissional como individual do ser humano. O clima de descontração e de espontaneidade que reinava nos locais de encontro induzia os participantes a se envolverem cada vez mais nas dinâmicas que eram realizadas. Enfim, era uma formação holística que visava, sobretudo, a harmonia do ser consigo mesmo, e com o ambiente que o cercava. O objetivo final era desenvolver no indivíduo a capacidade de formar raciocínio crítico e reflexivo diante as adversidades surgidas no ambiente de trabalho para que ele pudesse tomar decisões acertadas diante as adversidades do dia a dia em seu ambiente de trabalho.
Durante o período em que o treinamento foi realizado previu-se algumas visitas a locais onde se poderia por em prática os assuntos estudados e debatidos nos encontros quinzenais. A visita de campo incluía ida às favelas, parques ecológicos, serras e até uma comunidade indígena, localizada em um município da região metropolitana, próximo à cidade de Fortaleza.
 A visita à reserva indígena dos Pitaguary foi marcada para um sábado e no dia aprazado todos os integrantes do grupo, aproximadamente vinte e cinco pessoas, se fizeram presentes ao local, aguardando a chegada do coletivo que os levaria a aldeia dos nativos.
 Por volta das sete horas da manhã o ônibus aportou ao local e imediatamente todos o adentraram e sem demora seguiram o destino traçado. A expectativa era grande, somente duas pessoas do grupamento, além da instrutora, haviam tido contato com uma comunidade autóctone e isso era motivo de cautela por parte de algumas pessoas do grupo.
Cerca de uma hora depois o coletivo chegou ao seu destino e, para surpresa geral, eles foram recebidos na aldeia pelo cacique da tribo, que se fazia acompanhar de dois outros índios.  Portavam-se a caráter: arco e flecha e os rostos estavam pintados nas cores pretas e vermelhas. O cacique era um homem de meia idade, porte atlético, pele bronzeada, cabelos lisos, rosto marcado de rugas, que o tempo não tardou em perdoar.
- Sejam bem vindos a nossa comunidade – falou o chefe da aldeia.
Nossa facilitadora já o conhecia e num amistoso gesto agradeceu a recepção dispensada a turma.
Todos foram convidados a fazerem uma exploração no local e dirigiram-se imediatamente até uma escola que se situava na zona central da zona indígena.
Naquele dia a escola não estava funcionando, pois era sábado. Foram informados que na escola os alunos tinham aulas de português, matemática, saúde, artes, cultura dos povos indígenas além de estudarem também princípios rudimentares da língua tupi, como uma forma de manterem vivas as tradições ancestrais.
Já eram quase dez horas e a comitiva foi convidada a irem até a casa dopajé, a figura mais respeitada na comunidade.
Chegando lá foram recebidos por sua esposa, pois o pajé estava em um ritual de cura e logo viria recebê-los.
Sentaram todos ao redor de uma grande mesa e após alguns minutos opajé apareceu trazendo consigo uma enorme bacia cheia de bananas e depositou-as sobre a mesa, dizendo que se servissem a vontade. O pajé comeu tanta banana que ficou sem ar. Parecia um peixe fora da água debatendo-se a procura de ar para respirar.
O pajé aparentava ser mais jovem que o cacique, porém não tinha o mesmo porte atlético: Tinha uma enorme barriga e a pele era escura acinzentada. Ornamentava-se de um cocar, alguns colares dependurados no pescoço e vestia uma bermuda bem ao estilo dos cidadãos que viviam na metrópole.
- Que índio mais sem graça – disse alguém!
- Não existe mais índio verdadeiro, todos sofreram a aculturação da civilização moderna – sentenciou outro indivíduo.
Após o repasto o pajé os convidou para irem até uma localidade onde era desenvolvido um projeto de agricultura comunitária de grande sucesso.
Todos, novamente, pegaram o ônibus que os levaria até o referido local. O pajé sentou-se com sua companheira nas poltronas que se localizavam no centro do coletivo, bem abaixo de uma das saídas do ar condicionado. Não demorou muito e o pajé começou a se contorcer, tremendo de frio. Puxou as miçangas do pescoço de um lado para o outro na tentativa de cobrir a “pança” que estava desnuda, mas de nada adiantou. Abraçou a esposa procurando se aquecer. Coitada da mulher quase foi sufocada pelos abraços do esposo!
 A situação cômica fez com que grande parte dos passageiros não segurasse as risadas, o que deixou o pajé acanhado.
O ônibus parou no local indicado e todos desceram e assim puderam comprovar o sucesso do projeto implantado na localidade.
Passava das doze horas quando o grupo deixou o local e dirigiu-se a uma casa de campo localizada no sopé da serra, onde ali almoçaram e descansaram, sem antes, contudo, deixarem de passar por um ritual bastante comum na cultura indígena: tomaram um banho de ervas para afastar o negativismo e trazer bons fluidos.
A mesa era farta e o cardápio era peixe cozido. Mais uma vez o pajé protagonizou uma cena engraçada que levou todos a se entreolharem: Tomando uma bacia de alumínio de tamanho médio a encheu de arroz e pirão de farinha de mandioca até as bordas, e para completar a montagem do prato depositou dois grandes pedaços de peixe sobre a “Montanha de comida”.
O dia já findava e a agradável excursão chegou ao fim. O pajé e sua esposa foram deixados na aldeia e, depois de feitas as despedidas, o préstito seguiu rumo de volta à cidade onde os membros da equipe moravam, indo cada qual às suas respectivas residências. 

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos Selecionados de Grandes Autores Brasileiros" - Maio de 2016