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Valmari Santos Nogueira
Salvador / BA

 

Por pouco

 


Para concretizar um velho sonho de um tour durante um determinado feriadão, Miguel, a esposa, dois filhos e, de quebra, a sogra, partiram rumo a uma cidade litorânea para um merecido descanso e gozarem das delícias locais. Durante o trajeto tudo transcorria dentro da mais perfeita normalidade. O grupo viajava animadíssimo! Ouvia músicas, contava histórias e ria a valer. Ah! Antes que eu me alongue neste relato e, me esqueça, permitam-me esclarecer que o personagem principal, objeto desta narrativa, não era um contumaz pulador de cercas, porém, de vez em quando praticava umas travessuras amorosas. A esposa jamais desconfiou do “santo” marido. Mas, voltemos ao tour.
Viagens com percursos longos deixam os viajantes sonolentos, alguns até com aspectos de estarem sedados. Foi o que aconteceu com a sogra e os filhos de Miguel que viajavam no banco traseiro do veículo. Dormiam um sono tão gostoso que, quando o carro desceu uma ladeira, as sandálias que a sogra calçava escapuliram dos seus pés, sem que ela percebesse, e foram se alojar sobre o tapete dianteiro do carro, em frente ao banco do carona onde Lorena, a esposa de Miguel, estava sentada. Sorte dele que ela não viu aqueles objetos ali à sua frente. Ele suou frio e seu corpo todo gelou quando seus olhos se fixaram naqueles calçados. O susto foi tamanho que ele quase infarta. A primeira coisa que lhe veio à mente foi a escapulida a um motel que ele havia ido, dias antes, acompanhado de uma gostosona. De pronto matutou consigo mesmo:
- Desgraçada!
- Como pode ter deixado estas sandálias dentro do carro?
- Como?  - Tornou ele.
Sem pestanejar pôs em ação uma saída espetacular para fugir da ira da esposa, se acaso ela percebesse aquelas sandálias ali. Aproveitando que ao longo da estrada havia muitos pés de ipês roxos, floridos, para desviar a atenção da mulher e dar um fim naquelas malditas sandálias, ele teve a feliz ideia de encher o peito de um incontido entusiasmo e exclamar:
- Mulher, olha que belezura! Veja como estão floridos aqueles ipês roxos.
- Aonde Miguel? 
- Lá no alto, à sua direita.
Apreciadora de flores, Lorena, ingenuamente se voltou para a direção indicada, ficando extasiada com as belezas cantadas em prosa e verso pelo maridão. Este, aproveitando o encantamento da mulher com os Ipês, mais que depressa lançou mão das sandálias e as jogou fora do veículo, pondo um ponto final à sua angústia. Para ele estavam sepultados os indícios de um crime de adultério recém-praticado. O suor frio que gelara seu corpo, logo se dissipou e ele se sentiu aliviado da aflição que o atormentava pelo temor de ter que se explicar à esposa caso houvesse uma suspeita de traição.
Refeito do susto, continuou a viagem como se nada houvesse acontecido. Ao chegar ao destino, os dorminhocos do banco traseiro, acordaram. Como todos estavam ávidos para conhecer os atrativos que a cidade oferecia, rapidamente apearam do veículo. Exceto a sogra que não havia encontrado a proteção de seus pés. Imediatamente os passageiros, inclusive Miguel, formaram um mutirão e vasculharam todo o interior do veículo, sem lograrem êxito nas buscas.  Miguel que as lançou no mato, sentiu-se ainda mais aliviado ao saber que elas não pertenciam à gostosona. Durante as buscas ele disfarçou muito bem. Era o mais empenhado em localizá-las. Porém, a sogra estava com um problemão. Estava descalça. Para solucioná-lo o grupo se deslocou para o centro da cidade, a fim de comprar um novo par de sandálias para ela.
Compraram um par muito mais valioso que o atirado ao mato.
O pagamento?
Ah! Foi efetuado, sem qualquer questionamento, pelo genro generoso.

 
 
Conto publicado no livro "Contos Selecionados de Grandes Autores Brasileiros" - Maio de 2016