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Rita Lucia de Lucas Tré Becker
Petrópolis / RJ

 

Um presente de Natal inusitado

 

Joaquim era um homem bom, um homem inteligente, honesto e trabalhador. Sofreu muito na adolescência, devido a alguns mal-entendidos relacionados à pessoa de sua mãe. Uma calúnia, uma séria calúnia, e toda a vida desse rapaz foi prejudicada. A mãe era simplesmente uma mulher extrovertida, nada mais... E por isso foi incompreendida.
O pai, um ser extremamente radical, machista, excluiu-a de sua vida e a fez sentir isolada do mundo, apenas era sua serventia. O sofrimento e a angústia adoeceram-na, morreu de câncer nos ossos. Os maus choraram...
O jovem Joaquim deprimiu-se, bebeu muito em consideração. Racional como era não deixou surtir nenhum efeito negativo em sua vida profissional, continuou em ascensão, vivia para o mundo exterior: o mundo das aparências. Um belo dia, andando na rua, conheceu Elisa, a mulher de sua vida, e se apaixonou. Embora ela não o desejasse tanto quanto ele a desejava, era com ela que queria casar, ter filhos, amar.
Joaquim e Elisa se casaram. O fato foi consumado. Nesse consórcio, três seres lindos e saudáveis foram gerados. Só que a fraqueza de espírito tomava conta daquele homem. Por mais força que fizesse, os fluidos negativos o consumiam e se deixava adormecer por uns ligeiros tragos de bebida, que transformavam a personalidade dele. A vida conjugal tornava-se intragável, as brigas eram constantes e só pioravam. Não só os filhos cresciam nesse ambiente, mas também, daquelas brigas, eram espectadores assíduos, sensíveis, mudos.
E assim Joaquim se deixava cada vez mais afundar no frio úmido do corpo embebido de álcool. As crianças acordavam no meio da madrugada, frequentemente, com uma batida forte, na janela de madeira antiga, de um amigo que trazia o pai, no ombro, como um embrulho desmanchado. A vergonha inflava nesses corpos sadios, que já rejeitavam a figura paterna, não o assumiam mais. Revoltavam-se de amargura esses ingênuos corações.
Tudo desmoronava naquela família, nada mais era coordenado, cada um por si. A mãe, Elisa, esforçava-se para manter um só momento de harmonia, pois um sentimento de culpa tímido, retraído, existia naquele magoado peito, naqueles olhos secos de tanto chorar. Os estudos foram esquecidos, houve uma desorientação desses jovens. A tristeza se entranhara em seus cérebros revoltos.
Quanto ao Joaquim, cada vez mais se exauria o homem, os desejos e as ambições. Perdeu o cargo pelo qual lutou tanto, foi aposentado por livre e espontânea vontade da firma.
Devido à insistência no vício e com o passar do tempo, o corpo dele adoeceu e as pontadas no coração o sufocavam. E creiam vocês, os filhos o perdoavam a cada berro de dor, a cada lágrima de sofrimento. No entanto, o cansaço tomava conta desses seres torturados. Nada mais era feito. A casa sem pintura, sem adornos, só existiam desilusões.
O Natal se aproximava, nem ceia seria feita, pois o amargurado Joaquim estava no hospital e lá não é permitido. A ida momentânea para a UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) tinha destruído qualquer alternativa natalina.
O amor por esse homem estava sendo redescoberto. Enquanto isso, ele saía da UTI e voltava para a UTI. Os médicos faziam tudo o que podiam. Seu espírito continuava preso no corpo doente. Surgiu uma união familiar em prol de sua melhora. Os filhos o amavam e cada vez mais faziam por ele. Apesar do estado deplorável, Joaquim sentia o amor penetrar, transparecia em seus olhos.
Na lenta aparição do amanhecer, quando a noite, aos poucos, diz adeus, a surpresa de Natal chegou como um raio. O mundo daquele homem desapareceu, seu corpo perdeu a vida, seus olhos cerraram, mas o espírito dele estava íntegro, perdoado.
A notícia provocou um sobressalto nos corações dos filhos e da mulher, um grito se espalhou pela casa e eles se abraçaram. As lágrimas molharam o rosto dessas pessoas que acompanharam Joaquim na trajetória por este mundo, contudo sabiam que a morte dele seria um divisor de águas e o amaram em memória, em respeito.
O presente de Natal foi inusitado para essa família, veio embrulhado de trevas, mas o conteúdo estava repleto de paz!


 
 
Conto publicado no livro "Contos Selecionados de Grandes Autores Brasileiros" - Maio de 2016