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Manoel Rodrigues Leite
Sinop / MT

 

Entre o vermelho e o verde

 

- Pode me informar o seu nome? O senhor consegue me dizer o seu nome?
Foi o que eu ouvi, uma voz um pouco distante, aos poucos mais nítida e compreensível.
- Gilberto. - Disse com certo esforço ainda tentando fixar os meus olhos em um ponto qualquer, a fim de reconhecer aquele lugar, tão vagamente familiar.
- Onde estou? O que aconteceu? - Perguntei em seguida.
A voz tomou-se forma. Era um jovem enfermeiro, com voz tranquila, mas com semblantes tristes e olhos de quem já viu muito sofrimento. Disse ele:
- Você sofreu um acidente e está em um quarto de hospital. Está medicado e o seu quadro é estável. Do que o senhor se lembra?
- Nem vermelho, nem verde!
- Como assim? Senhor!
Veio a minha mente aquela manhã. Eu estava eufórico pelo dia de oportunidade. Há quinze anos eu trabalhava em um emprego que tudo me consumia. Em troca do meu trabalho eu entregara meu suor e até minha família. Débora minha esposa sempre reclamava:
- Quando você terá tempo para a sua família? Quando você terá tempo para você?
- Besteira, mulher! É necessário! - Falava isso não para enganá-la, mas para enganar a mim mesmo.
Achava o meu trabalho insuportável. Era gerente de uma grande rede lojista. Todo mundo achava maravilhosos ir em um local que não tem feriado, é talvez fosse legal para passear. Só que trabalhar era outra história. Folga quase não tinha e quando tinha sempre aparecia alguma emergência. Além do salário ser bem abaixo da aparência do cargo.
Até hoje não sei por que não saí antes, penso que era por que acreditei que aquela empresa era minha família. Acreditei mesmo, pois não vi meus filhos crescerem, nem vi a minha esposa nem eu mesmo envelhecer.
Sou publicitário de formação, mas nunca exerci. Sempre achei encantador, realmente a profissão é apaixonante. Só que viver dela é que são elas. Principalmente se você reside em uma cidade pequena, e acreditou que só ter um diploma seria o suficiente.
Agora me lembro, eu estava eufórico. Estava indo par uma entrevista para iniciar na publicidade. Eu e a minha esposa havíamos concordado que seria bom para toda a família eu mudar de emprego. Talvez ser mais presente, e ser mais feliz no trabalho ajudasse ser mais feliz no casamento. Mas o que aconteceu? Não me lembro do acidente...
- O que foi informado é em sua ficha é que colidiram com o seu carro. Houve um assalto a um banco, e na fuga eles te acertaram. Você não se lembra?
- Não! A última coisa de que me lembro é do semáforo. O semáforo não estava nem vermelho e nem verde.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos Selecionados de Grandes Autores Brasileiros" - Maio de 2016