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Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

A chave no ponto de ônibus

 

Olinda detestava seu nome de batismo. Quantas brincadeiras irritantes faziam com o nome dela, quando tinha que falar seu nome dizia: - Pode me chamar de Lindinha. Certo dia a vizinha que chegava, com a filhinha de quatro anos, cumprimentou-a: - Tudo bem Lindinha? A menina olhou para ela e falou séria: - Mãe, ela não é linda, não seja falsa. Lindinha soltou uma gargalhada e respondeu à menina: - Você é uma menina muito linda!
Lindinha gostava mesmo era de caminhar ao entardecer e numa dessas caminhadas, parou numa ponto de ônibus onde tinha um abrigo, para amarrar o cadarço do tênis e sabe-se lá porque olhou para cima e viu uma pequenina chave pendurada em um prego no madeiramento do telhado do abrigo.  Continuou a caminhada, mas a chavinha mexeu com a imaginação dela e mexeria com a imaginação de qualquer um.  No dia seguinte parou no mesmo lugar colocou o pé no banco do abrigo e disfarçadamente olhou para cima e a chavinha estava lá. E fez assim durante um bom tempo só para ver se a intrigante chave estava lá penduradinha.  Ela não conseguia esquecer a tal chavinha. Começou a caminhar cada vez mais tarde e sentava-se no banco do ponto de ônibus como se estivesse a aguardar algum coletivo, mas em verdade o que ela queria era ver se alguém pegava aquela chave.
A curiosidade na maioria das vezes é uma ponte  para o perigo.
Até que um dia, quando ela estava sentada, mais ou menos às vinte e duas horas, um homem alto, magro, barba e bigodes pretos e bem vestido surgiu de repente e ficou parado fora do abrigo. Ela começou a sentir uma sensação de incômodo, ele era sinistro e meio assustador. Quando ele fixou o olhar nela ela rapidamente fez sinal para um coletivo entrou e saltou no ponto seguinte. Ligou para o marido e pediu que viesse buscá-la.  Quando ele chegou pediu que a levasse até aquele abrigo de coletivos porque achava que tinha deixado as chaves de casa por lá quando amarrou os cadarços. Chegando lá fingindo que tinha achado as chaves, olhou para cima e a chavinha não estava lá, nem o tal homem sinistro. Não conseguiu dormir, levantou-se cedo e foi ao local das preocupações dela. E... a chavinha estava lá, alguém pegou e depois recolocou no mesmo lugar. Precisava encontrar um cúmplice, alguém que quisesse ajuda-la a desvendar aquele segredo.
Como o porteiro estava na entrada do condomínio que ficava do outro lado do abrigo do ônibus, ela aproximou-se procurou conversa, perguntou se tinha alguma casa para venda. Ele falou que tinha uma que estava a venda há uns cinco anos e na última hora o comprador desistia da compra. A casa era boa, estava em bom estado e o preço estava abaixo do valor de mercado. Ela para dar curso à conversa fez-se de interessada na casa.  Ele ficou de ligar para a imobiliária e marcar com ela. E assim foi feito. E ela sempre de olho na pequenina chave. Quando o corretor foi abrir a porta ela sentiu a mesma sensação que tinha sentido ao ver o tal homem sinistro. Entraram na casa.  Estava mobiliada e bem limpinha, como se alguém estivesse morando ali. O corretor comentou que uma faxineira ia lá duas vezes por semana para fazer a limpeza, mas ninguém conhecia os donos, o salário da empregada era depositado religiosamente em conta, isto acontecia há cinco anos. Quando entraram na suíte de casal, Lindinha empalideceu, as pernas bambearam, os olhos arregalaram e o corretor correu em seu socorro segurando-a: Você está se sentindo mal? O porteiro pegou um copo com água, ela demorou a melhorar.  Lindinha perguntou apontando para uma foto na parede:- Quem são eles?  O porteiro abaixou a cabeça e ficou calado. O corretor balançou a cabeça e disse que não sabia e completou: - Vamos ver os outros cômodos. Depois de ver a casa ela ficou de falar com o marido e dar uma resposta e perguntou: - Em que dia vem a faxineira? As quartas e sextas-feiras respondeu o porteiro. E Lindinha insiste:- a que horas ela vem?  Chega sempre às oito horas, mas nunca sai no meu turno, pois nunca a vi sair.
Tem pessoas que já nascem com as lentes dos olhos da alma.
Na sexta-feira Lindinha sentou-se no banco do ponto de coletivos às sete horas e meia, às oito horas em ponto uma mulher jovem, magra, alta, longos cabelos loiros e amarrados, muito pálida, entrou no condomínio. Lindinha esperou aparecer o porteiro e perguntou se aquela mulher que entrou era a faxineira. – Não vi, mas deve ser, ela tem chave e entra direto. Posso ir falar com ela? Perguntou Lindinha. O contrato com a imobiliária é nunca trazer algum comprador nos dias de limpeza. Respondeu o porteiro.
Lindinha conversou com o marido sobre a casa e pediu que ele fosse com ela ver a casa. Ele comentou que não tinha interesse de mudar e nunca tinham falado sobre isto. Ela argumentou que era para uma amiga que queria vir morar na cidade. Ele sabia que não adiantava discutir com ela, aceitou e foi ver a tal casa. Como ele era engenheiro civil achou a casa em excelente estado de conservação e muito bem construída. Quando ela entrou novamente na suíte de casal olhou com cuidado e reconheceu o casal, era o homem sinistro e a faxineira. Estava desvendado o caso da chavinha. E Lindinha perguntou ao corretor: - Quem é esse casal que está na foto? O corretor respondeu: - Eram os donos da casa e como não tinham herdeiros um amigo próximo pôs a casa à venda. Eram casados e passavam férias e feriados aqui e na última vez que vieram, quando voltavam para cidade onde moravam e trabalhavam sofreram um acidente terrível de carro e não sobreviveram.
Lindinha saiu imediatamente dizendo que não era o tipo de casa que estavam procurando.
Passado algum tempo ela passou por lá, a chavinha e o prego não estavam mais no lugar e conversando com o porteiro ele falou que a casa tinha sido vendida e o mais interessante é que a faxineira nunca mais apareceu.

 

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos Selecionados de Grandes Autores Brasileiros" - Maio de 2016