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Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

A mulher do bico fino

 

        Solano sempre passa dias na casa do sogro. Uma casa bem construída, repleta de detalhes cuidadosamente planejados. Fernando - o sogro de Solano - é mestre de obras, muito criativo, muito cuidadoso no seu trabalho. Com mais de trinta anos de profissão tem larga experiência no que faz. O engenheiro entrega despreocupado a obra nas mãos do seu Fernando e ele comanda tudo com muita responsabilidade e dedicação. Tudo passa cuidadosamente pelo crivo do mestre de obras. A única coisa que tira o seu Fernando do sério e o deixa aborrecido é quando o dono da casa que está construindo leva a mulher para verificar se a casa está ficando do jeito que ela quer. Ele comentava com o genro: - Elas sempre mudam os planos e os maridos deixam que elas ordenem que alguma parte seja derrubada e refeita.  E  Solano argumentava: - Mas, meu sogro, você não recebe por refazer algum detalhe?  - Recebo sim, mas é muito chato desmanchar e refazer um trabalho só por capricho delas. Penso que é uma maneira de saber se o marido gosta delas de verdade.
         Certa vez quando o genro encontrou o sogro cabisbaixo e não querendo conversar, sentou-se do lado dele o perguntou: - E aí, meu sogro, já terminou aquela obra? Quando fui lá você estava fazendo uma escada complicada. O sogro olhou para ele e desabafou: - A escada já estava pronta só faltando pequenos arremates, a mulher do dono chegou e logo senti um arrepio e pensei:  - Lá vem o bico fino. E não deu outra, ela mandou desmanchar porque queria a escada de frente para porta e achou que estava desalinhada e então o dono da dona mandou que a escada fosse refeita. O genro tentando animá-lo: - Refaça e cobre o dobro, vamos lá que eu quero ver essa escada. Foram, olharam, comentaram e seu Fernando ficou conformado em refazer a escada. Passado quinze dias o genro encontrou o sogro acamado, não queria sair da cama nem queria comer, dizia-se cansado.  Solano - o genro - sentou-se ao lado dele e perguntou puxando conversa: - E a escada, meu sogro, já terminou? Vamos lá que eu quero ver como ficou. Ele passou a mão na cabeça e soltou um suspiro entrecortado e respondeu: - A mulher do bico fino foi lá e disse que a escada ficaria melhor se fosse feita mais um metro para esquerda. E o marido mandou que eu refizesse. Ao que comentou o genro: - Poxa meu sogro que azar! - Seu Fernando falou espumando de raiva: - Tive até pesadelo com um monte de mulheres de bico fino correndo atrás de mim, acordei todo suado e mijado, nunca aconteceu isto comigo.   Calma, seu Fernando, faz como se fosse obra nova. -  Vou refazer, mas os pedreiros já estão rindo de mim e de vez em quando alguém grita: - Olha a mulher do bico fino! Não estou aguentando mais.   O genro procurando juntar forças: - Estou de férias e vou passar a semana toda aqui, vou dar uma ajuda na obra.  O sogro ficou mais animado. Na sexta-feira a fatídica escada estava prontíssima. E aí... Chegou à obra o dono e a mulher do bico fino. Ela olhou a escada, subiu e desceu os degraus e ordenou: - Não gostei, tira a escada e faça uma rampa. Genro e sogro ficaram engasgados, abaixaram a cabeça engolindo aquela ordem como se fossem cacos de vidro enfiados goela abaixo. Tinham trabalhado arduamente a semana inteira junto com os pedreiros, que droga!
             Na hora do jantar a sogra de Solano ouvindo a conversa dos dois perguntou intrigada, por que não dizer enciumada: - Que história é esta de “mulher do bico fino”? – Boa pergunta, minha sogra. E o mestre de obras explicou: - Elas chegam, esticam o pezinho com um sapato de bico fino e apontam para o querem e dão a ordem sempre mandando e dizendo com voz macia: - Meu bem, não gostei disso, ou quero mais para direita, a janela não ficou bem desse lado, a porta está muito alta e estreita, e sempre apontando com aquele pezinho. Odeio mulheres do bico fino que só sabem mandar nos maridos. O genro aponta para a sogra e a esposa que estão sentadas em frente a eles  e fala: - O que mais tem por aí, meu sogro , é “mulher do bico fino”. 
           

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de Verão" - Março de 2016