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Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

Depois de fazer com uma formiga


      

  

Uma pequena formiga desceu acarinhando meus cabelos, ela passou devagarzinho pela face, contornou meus lábios umas duas vezes, caminhou pelo lado direito do rosto, alcançou o pescoço e parou. Que será que estaria pensando essaformiga... Qual será a preocupação dela? Ou não terá preocupações e está simplesmente gastando uns minutos de lazer da sua tarde de trabalho. Deslizou pelo meu ombro e foi direto para o braço, cotovelo, antebraço e finalmente parou no meio das costas da minha mão. Levantou a cabeça e revirou para os lados como se buscasse alguém. Será que marcou encontro amoroso no dorso da minha mão?  Ficou ali parada mais ou menos dois minutos, acho que para formiga é muito tempo. Começou a se mexer, pensei que estava cheirando a minha mão, e cheirando e cheirando e... deu uma picada na minha pele como se quisesse tirar um pedaço. Doeu, doeu bastante, deixei doer... Que dor poderia ser maior do que a dor da traição amorosa que eu já estava  sentindo? Tive vontade de dar um tapão e jogar longe aquela formiga atrevida...  Mas não fiz isso. Ela tirou os ferrões e parece que deu uma lambida para desculpar-se.  Seguindo rapidamente para a ponta de dedão “o pai de todos” e acho que deu um pulo, pois sumiu. Continuei na minha posição, aquela formiga tinha feito com que eu esquecesse tantos problemas, tantas amarguras, tantos desacertos e até a solidão que me abordava há alguns dias. Foiuma lição de humildade e coragem ao mesmo tempo, um socorro imediato.  Perdi meu amor, na verdade brigamos e juramos não mais nos vermos.  Amalgamado em mim ficou um sentimento de abandono, como se fosse um animalzinho “dito” de estimação jogado na rua, na verdade me sentia incompleta, incapaz, limitada, desamada, um verdadeiro lixo descartável sem serventia nem para reciclagem, uma flagelada pela vida. E por causa disso briguei com o chefe, discuti com o caixa do supermercado, perdi a paciência no estacionamento e mais um monte de baboseiras. Saí sem destino. Eu estava impossível, não conseguia mais me suportar! Cansada, desanimada, sentei no banco da praça e foi aí que a formigaque não era muito pequena, da cor do ébano, cabeça proporcional ao corpo, do tipo que corta o jardim, amontoa e constrói o ninho. Ela audaciosamente invadiu meu espaço vindo libertar-me da prisão em que tinha me fechado e despertando-me novamente para as boas coisas da vida.  A minha frente um espetáculo deslumbrante, o sol dava as últimas pinceladas avermelhadas no horizonte sumindo lentamente atrás das montanhas e foi nesse instante que implorei ao sol, naqueles segundos mágicos, que todos os desagravos fossem levados por ele, descartados na lixeira do fim do dia e ao amanhecer voltassem transformados em sentimentos bons. Depois de fazer amor com a formiga o conluio da vida continua. Senti que passei fazer parte do palco daquele arrebol de misterioso encantamento. Então veio uma paz, a angústia foi embora tomando seu lugar a sensação de alegria e a vontade de cantar e dançar. O equilíbrio foi restaurado junto com ele a sabedoria e a serenidade. Fiquei feliz, radiante e livre para seguir em frente como as aves.  Senti a transformação na minha alma pela energia da natureza!
Será que uma ferroada de formiga é remédio para desilusões?
Estou de bem com a vida em estado de amor, sou o meu melhor aliado, desde aquela tarde quente de verão em que uma formiga inspirou-me um novo começo.

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Publicado no livro "Contos de Verão" - Edição Especial - Março de 2015