Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

 

Mão santa

 

           

    Fazer reformas em casa é sempre um sonho, mas é complicado. Complicado porque envolve muitas questões e mudanças na vida e nos hábitos familiares, principalmente se tem crianças em casa.
    O casal tinha resolvido reformar o bar dentro de casa e a pintura das paredes externas.     
     As bebidas que estavam no bar foram previamente armazenadas em caixas no andar de cima.
     Luiz e Marília contrataram o serviço e vieram três pedreiros e dois pintores de paredes.
     O espaço gourmet externo era bem grande, cabia vinte pessoas sentadas. Um balcão de mármore com um armário embaixo onde ficavam guardados todos os apetrechos maiores, inclusive o carvão.
     Os trabalhadores usavam o fogão da churrasqueira para aquecer a marmita com o almoço. 
     Os dois filhos do casal de seis e sete anos acompanhavam tudo, pois brincavam no quintal.  Quando viram as marmitas serem aquecidas, foram imediatamente pedir que o almoço deles fosse preparado da mesma forma que as dos trabalhadores eles queriam almoçar com eles.  Os meninos amassaram a parte de trás dos tênis para ficar com sapato de pintor. E muitas coisas e outras situações que tiveram que ser explicadas e orientadas às crianças.
     Certo dia quando Marilia chegou do trabalho foi ver como estava ficando a pintura do bar, notou que um dos pintores não estava trabalhando, o outro pintor meio encabulado comentou que o colega apelidado de “Pincel”, estava passando mal deitado no chão da churrasqueira. Imediatamente ela foi socorrê-lo. Encontrou o coitado deitado sem condições de levantar, e ele com muita dificuldade disse que já tinha tomado um comprimido e já estava melhorando. Marília que era muito cuidadosa imaginou que o cheiro da tinta poderia estar causando alguma reação alérgica ao rapaz. Entrou em casa rapidamente pegou um copo grande de leite frio e ofereceu ao pintor. Os outros vieram e vendo que ele não queria tomar o leite comentaram: - A senhora pode deixar que ele já está melhorando. Ela respondeu com autoridade: - Vai tomar sim, ou vocês seguram e façam com que ele tome o leite ou vou levá-lo para o hospital. E agora Pincel? Muito sem jeito, ele foi levantado pelos colegas e tomou o copo de leite frio.  
    Ela seriamente preocupada com a saúde do empregado, pegou umas folhas de carqueja, fez um chá e quando voltou ao local, ele saía do banheiro cambaleante, pálido e falou: - Passei muito mal, quase vomitei o fígado. E ela esticando a xícara falou: - Toma este chá de carqueja sem reclamar. Ele bebeu o chá. E ela dizendo: - Daqui a pouco eu volto para ver se você melhorou.
   Algum tempo depois ela viu que ele já estava trabalhando. – Que bom que você está melhor!
     Nem todos conseguem ver coisas boas na frente sem controlar a vontade de aproveitá-las, mesmo que elas não façam parte dos seus hábitos. Usam a lei do vamos aproveitar que é de graça. E como repetia uma colega de trabalho “De grátis até injeção na testa”
    O outro pintor falou: - Ele tomou quase toda a bebida que estava num garrafão no armário da churrasqueira.
     E ela indignada perguntou ao pintor que parecia doente: - O quê? Como você achou aquele garrafão, estava no cantinho atrás da caixa dos espetos de churrasco?  Ele respondeu: - A senhora não pode nem imaginar, eu estava procurando uma vasilha qualquer para lavar os pincéis e vi aquele garrafão de dois litros. Peguei, tirei a rolha e cheirei. Quase morri de emoção! Era uma “branquinha” da melhor qualidade. Resolvi provar. Das melhores, boa demais! Ele falava envergonhado. Tomei um gole, mais outro e outro mais. Nunca tomei uma cachacinha tão especial. Não sou viciado em bebidas, mais gosto de um golinho de vez em quando.
     Ela respondeu: - Meu marido ganhou aquela bebida de um amigo que esteve no Paraná e trouxe de presente para ele a cachaça premiada como a melhor do Brasil, tipo exportação. E como estamos fazendo a reforma no bar, ele guardou lá. Luiz gosta de um aperitivo antes do almoço quando está em casa. E a cachaça é para dividir com amigos de time que joga pelada no final de semana. Você nunca poderia ter feito isso... Eu nem poderia imaginar que você estava bêbedo. Tive medo de você estar tendo algo perigoso aqui na minha casa.
     E ele fala:- Por favor, não me dispense do trabalho, a lição foi bastante forte.  Nunca vou esquecer a sua bondade. Tomei horror de cachaça e de leite gelado.
     No dia seguinte o responsável pela reforma foi procurá-la e disse que tomou conhecimento do caso ocorrido com o pintor. Os contratados para fazer o serviço são de confiança e nunca aconteceu fato nenhum que desaprovasse o comportamento deles, e perguntou se Marilia queria que o rapaz fosse dispensado. Ela respondeu que não, porque parte da responsabilidade foi dela e do marido de terem deixado a bebida naquele lugar. E até uma das crianças poderia ter encontrado a bebida e seria um desastre. E ele acrescentou: - Eles estão rindo muito do pintor e dizem que a Mão Santa está chegando com um copo de leite gelado. E é sabido ninguém curaria uma bebedeira em tão pouco temp
o. 

 

 
 
Poema publicado no livro "E agora, Bob?"- Edição Especial - Maio de 2017