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ENTREVISTAS
Entrevistas exclusivas com autores renomados, publicados nas antologias da CBJE nesses 21 anos de existência. Conheça suas histórias, suas obras e veja seus depoimentos.


José Heber de Souza Aguiar

Quem sou
Tenho José Heber de Souza Aguiar por nome (deveria ser Souza Almada); sou filho de um José com uma Maria, sendo o segundo de quatro filhos - quando deveria ser o terceiro de cinco de não fosse as tragicidades da vida. Meus pais, maranhenses, têm seus pais oriundos do Ceará, R. G. do Norte, e Piauí. Encontraram-se numa região central do Maranhão, onde estavam em busca de condições para melhor “construírem” suas vidas. Depois, novamente com esse objetivo, foram residir em Itinga do Maranhão, onde nasci a 26 de Junho de 1984. Nessa mesma busca de lugar melhor para viverem (meus pais dizem que agora é para morrer, pois de lá não sairão), foram parar (e lá fui eu com menos de dois anos) no meio da floresta amazônica, às margens da Rodovia Transamazônica, aberta pelo governo Militar em 1970, no estado do Pará. No ano de 1986 nos instalamos na Agrópolis Uruará - distante mais de 1000 km da Capital Belém – que veio a se emancipar em 1987, tendo por nome Uruará.
Sou, então, filho de migrantes que são filhos de migrantes. E carrego uma dificuldade, por exemplo, quando me perguntam de onde sou. Do Norte? Do Nordeste? Meu próprio nome traz, ironicamente, essa minha realidade: JOSÉ é o mesmo que peregrino, caminheiro; HEBER tem por significado aquele que anda sem destino, que faz o caminho, pois não sabe o rumo. Não necessariamente sem metas, a meta é a surpresa que encontrará ao fim do caminho. Gosto da idéia do peregrino que constrói o caminho e vive na expectativa da surpresa do fim de seu percurso. Atualmente resido em São Carlos-SP, isso só para um estágio, logo mais retorno a Porto Alegre –RS e retomo meus estudos.

Propensão natural
Todo ser humano tem uma propensão natural para a arte. Nunca vi uma criança que não gostasse de desenhar, pintar, trabalhar com massa, montar lego, rabiscar papel como se tivesse escrevendo. Esse é o gérmen da arte. A questão é o que fazemos com essas crianças (o que fizeram conosco). Se em casa não é cultivada essa propensão, a escola é o segundo lugar onde se pode cultivar. Há, ainda, os que cultivam por si sem necessariamente dependerem dessas duas possibilidades. Em meu caso tive somente mais tarde o incentivo escolar.
Quando aprendi escrever eu ouvia músicas e compunha, a partir dessas, outras. Geralmente acontecia quando eu estava caminhando, de modo que eu deixava para escrever em casa e nunca escrevia. Mas estava lá o gérmen de composições. Só me dei conta desse início muitos anos depois quando comecei estudar literatura e senti despertado em mim o gosto por poesia, a partir do conhecimento de Fernando Pessoa, Sá-Carneiro e Augusto dos Anjos.

o dom também pode ser construído
A arte é a criação que sintetiza nossas emoções, sentimentos, história, cultura. A criação artística pode expressar o mais íntimo do ser humano, por meio da beleza, do equilíbrio, ou revolta. Por muito tempo acreditei que dom artístico só existia quando você já “nascia fazendo”, ou fizesse com leveza sem ter tido formação para tal. Prefiro dizer que existe, sim, casos extraordinários, mas o dom também pode ser construído quando você se permite instruir. Deus tanto nos dotou de dons como de possibilidades para apreendê-los (não seria também um dom?). Arte se aprende na escola, nas situações da vida onde sentirmos a necessidade de nos expressar, e sempre se aprenderá, desde que quem se disponha a ela coloque a alma para apreendê-la, a inteligência para entendê-la, e a liberdade para construí-la de seu jeito (sua arte).

Uma tentativa de síntese
Minha obra é justamente uma tentativa de síntese de minha história, marcadas pelas mais diversas emoções e sentimentos. É uma tentativa de síntese entendida como busca de autoconhecimento. Quando escrevo tento me distanciar de meus credos, paixões, ideologias. A partir desse distanciamento é que sobra o que sou, e é daí que sai meus textos - geralmente são intimistas-, todos carregados com o que sou, o que penso, amo e acredito, sem que esse pensar, amar e acreditar crie uma película que me impeça de me encontrar, me ver por dentro no instante da inspiração (que é sempre curta). Cada vez que escrevo tomo esse princípio por base.
O autor deve buscar o caminho do meio, o meio termo, entre o compromisso com a realidade (mesmo sua realidade) e o compromisso com a arte de escrever. A arte é justamente o “jogo” saudável entre um e outro. Um texto puramente técnico é morto, pois é vazio de sentimentos, emoções, sem realidade nenhuma (mesmo a do autor). Um texto sobrecarregado de realidade (sem técnica) também é morto, pois não tem o conjunto da arte (a arte necessita de técnica).

Meus favoritos
O preferido dos preferidos é o português Fernando Pessoa (ele mesmo e Alberto Caeiro), para Poesia; e Fiódor Dostoievski, para romance. Mas tenho ainda outros, todos na linha da condição humana. Cito Kafka (A Metamorfose e Um Artista da Fome), Albert Camus (O Estrangeiro) que junto com Dostoievski (Os Irmãos Karamazov e Crime e Castigo) são chamados filósofos do Absurdo. Gosto ainda de Florbela Espanca, Antero de Quental, Sá-Carneiro e Antônio Nobre (os últimos quatro são portugueses). Não posso deixar de citar a poesia engajada do russo Vladimir Maiakovski e do chileno Neruda (seus Cem Sonetos de Amor, e Elegia, são lindos). Cito Goethe (Wherter), Jean-Paul Sartre (A Idade da Razão), e os brasileiros Drumonnd de Andrade (A Rosa do Povo), Augusto dos Anjos (Eu e Outras poesias) e Joaquim Sfredo, falecido bem idoso em 2005, deixando uma belíssima obra poética que vale a pena ser conhecida.

A CBJE
Conheci a CBJE em Abril de 2006 quando pesquisava por Jovens Escritores. De repente estava lá o site. Entrei, li tudo e enviei textos. Meu primeiro trabalho publicado foi uma crônica que tinha por título “Guarda Chuvas”, depois publiquei poesias (as primeiras foram recusadas, o que me fez parar e abandoná-las; retornei a enviar textos um ano depois, e foram aceitos).
É heróico propiciar ao ser humano a possibilidade de se abrir para o mundo. A CBJE faz isso. Foi nessa possibilidade de me fazer conhecer, bem como de conhecer outros, a maior contribuição da CBJE para minha formação creio que também para a formação de outros autores.

Um conselho aos novos
Acredito profundamente que cada texto é um começo. Nesse caso o que tenho é muitos começos, e nada mais. Acredito que a inspiração é curta e vem de uma única vez. É a pedra que se nos apresenta e necessita ser lapidada. Esse processo sim, é livre: devemos lapidar e lapidar, cinco, dez, quinze, quantas vezes forem necessárias para que fique só o mais raro e caro da pedra. Um conselho seria esse: lapidar e lapidar e ficar atento se a pedra que se apresenta é realmente preciosa, ou é barro, ou seja, simplesmente palavras sem sentimento, vazias. Lapidar é o segredo. A construção poética é uma batalha do poeta com ele mesmo. Eis a minha:
BATALHA

fez-se em mim uma intensa guerra:
minhas palavras formaram-se
eram meus soldados, minhas armas;
soldados sangrentos, calados
fumegantes
soldados covardes.
Fui à batalha
e lá rezava o inimigo
ajoelhado
contido consigo
armado em temores
fitando-me como que uma criança
afogada em seu olhar tênue, ingênuo.
Sua loucura se perdeu.
A curvatura de seu corpo
condoída com a imponência de minha arrogância
derramou-se em meu ódio.
Não fui mais que opressor
oprimindo-o com a sede de expressar-me:
redigi minha angústia.
Minha covardia não se rendeu
aos seus gritos fúnebres.
Suas orações não me venceram...
seu deus perdeu
o meu ganhou
o poema nasceu
e a guerra acabou


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