Conto publicado no Livro "Era uma vez..." - Contos selecionados - Janeiro de 2013



 

Adriano de Jesus Santos
Guarapari / ES

 

 

A imagem que ficou

 

Era vinte e cinco de janeiro de dois mil e quatro. Um dia em que o verão mostrou-se veemente e o sol se fez presente durante cada minuto daquela manhã, daquela tarde. Aquela tarde, por sinal, foi majestosa. Eu passeava pela areia da praia quando a vi. Cinqüenta anos depois. Que minutos fantásticos. Que reflexo aquela imagem provocou em minha vida. Retornei a uma época em que tamanha decepção me jogou em um canto frio e sujo. Foi um estado extremamente deprimente provocado pelo pressentimento de que aqueles olhos me esnobavam; de que ela fazia questão de demonstrar que eu seria a última pessoa do mundo com quem procuraria ter uma relação mais afinada. Incapacitei-me de entender o porquê. Mas, a minha consciência não se abdicou do direito de tomar suas próprias decisões; tentou esquecê-la, mas não conseguiu.
Não conseguiu pelo mais óbvio. Eu a via todos os dias. Ela andava pra lá e pra cá, mostrando o seu andar jovial. Mexia nos cabelos, balançava o quadril com uma grande naturalidade e um instinto feminino estonteante. Sempre andava só. Falava pouco; mas quando falava, o que saía de dentro de si, era muito mais do que simples fonemas; eram notas musicais que se juntando, transformavam-se em uma linda melodia.
Engraçado... Às vezes o destino nos prega cada peça. Lembro-me como se fosse hoje. Seguia para a faculdade e virava na esquina da Rua Eduardo Gomes com a da padaria Solução, quando esbarrei justamente nela. Foi um momento de desatenção, mas o suficiente para começarmos uma amizade inimaginável conquistada graças ao acaso.
Muito comemorei aquela surpresa. Não era o que eu tinha suposto. As aparências realmente enganam... Aquele era seu jeito de ser, de se portar diante das pessoas, enfim, ela não me chamou de estúpido; tampouco de atrapalhado ao nos ver caídos naquela calçada.
Belos dias... Chegamos ao ponto de sairmos pelas ruas quase abraçados. Ela que parecia não ter amigos, que parecia não ser alegre, encontrou refúgio. De repente caiu em meus braços. E quase de mãos dadas, fomos muitas vezes a inúmeros bailes. Eu ia a sua casa, ela freqüentava a minha. Estávamos tão unidos que saiu até um boato de que éramos namorados. Infelizmente não chegava a tanto.
Pensava em tudo isso, quando o telefone tocou. Era ela. Sua voz apresentava-se trêmula, demonstrando nervosismo. Talvez por estar prestes a se envolver em uma situação nova. Fazer declaração de amor, quem sabe...
- Venceslau, estou gostando de alguém e queria saber sua opinião.
-Que bom saber que minha opinião vale alguma coisa para você, respondi forçando cérebro a fim de descobrir o teor da conversa.
Queria ter talento literário o suficiente para descrever com eficiência a grandiosidade da minha alegria ao ouvir aquelas palavras. De quem estaria ela gostando se não de mim?
-Faça o que achar melhor, Joana. Se realmente gosta de alguém, declare-se o quanto antes. Não tenha medo. O medo de tentar nos tira a oportunidade de sermos felizes.
-Obrigada pela força. Mas, será que o Silvério não já tem namorada?
-Quem? Silvério?
-É, Silvério, nosso vizinho, filho de Dona Cacilda e de seu Godofredo, primo de Benedita, tio do Albertinho filhinho da Cacilda e seu grande amigo.
Desliguei o telefone e me recolhi a uma insônia angustiante.
Eles começaram um namoro. Dois anos depois se casaram. Dei graças a Deus quando pintou um emprego no Pantanal do Guaporé, de onde retornei dois anos depois.
Refletindo algumas vezes, percebi que talvez eu tivesse sido a pessoa mais importante da sua vida. Foi comigo que ela aprendeu a rir e a falar; eu fui a primeira pessoa a quem ela disse que gostava de ser amigo; foi a mim que ela recorreu, quando precisou de um conselho. Ela confiava em mim o suficiente, e a vi desabrochar para uma vida a dois, pena que eu não fui o escolhido.
Hoje eu tenho setenta e oito anos de idade, ela deve ter uns setenta e cinco. O cansaço físico me pede uma trégua e o cérebro não quer mais ficar lembrando nada daquele tempo. Só uma imagem fica... E é a de Joana, deitada em sua canga, naquela areia escaldante.




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