|
|
Adriano
de Jesus Santos
Guarapari
/ ES
A
imagem que ficou
Era vinte e cinco de janeiro de dois mil
e quatro. Um dia em que o verão mostrou-se veemente e o sol se
fez presente durante cada minuto daquela manhã, daquela tarde.
Aquela tarde, por sinal, foi majestosa. Eu passeava pela areia da praia
quando a vi. Cinqüenta anos depois. Que minutos fantásticos.
Que reflexo aquela imagem provocou em minha vida. Retornei a uma época
em que tamanha decepção me jogou em um canto frio e sujo.
Foi um estado extremamente deprimente provocado pelo pressentimento
de que aqueles olhos me esnobavam; de que ela fazia questão de
demonstrar que eu seria a última pessoa do mundo com quem procuraria
ter uma relação mais afinada. Incapacitei-me de entender
o porquê. Mas, a minha consciência não se abdicou
do direito de tomar suas próprias decisões; tentou esquecê-la,
mas não conseguiu.
Não conseguiu pelo mais óbvio. Eu a via todos os dias.
Ela andava pra lá e pra cá, mostrando o seu andar jovial.
Mexia nos cabelos, balançava o quadril com uma grande naturalidade
e um instinto feminino estonteante. Sempre andava só. Falava
pouco; mas quando falava, o que saía de dentro de si, era muito
mais do que simples fonemas; eram notas musicais que se juntando, transformavam-se
em uma linda melodia.
Engraçado... Às vezes o destino nos prega cada peça.
Lembro-me como se fosse hoje. Seguia para a faculdade e virava na esquina
da Rua Eduardo Gomes com a da padaria Solução, quando
esbarrei justamente nela. Foi um momento de desatenção,
mas o suficiente para começarmos uma amizade inimaginável
conquistada graças ao acaso.
Muito comemorei aquela surpresa. Não era o que eu tinha suposto.
As aparências realmente enganam... Aquele era seu jeito de ser,
de se portar diante das pessoas, enfim, ela não me chamou de
estúpido; tampouco de atrapalhado ao nos ver caídos naquela
calçada.
Belos dias... Chegamos ao ponto de sairmos pelas ruas quase abraçados.
Ela que parecia não ter amigos, que parecia não ser alegre,
encontrou refúgio. De repente caiu em meus braços. E quase
de mãos dadas, fomos muitas vezes a inúmeros bailes. Eu
ia a sua casa, ela freqüentava a minha. Estávamos tão
unidos que saiu até um boato de que éramos namorados.
Infelizmente não chegava a tanto.
Pensava em tudo isso, quando o telefone tocou. Era ela. Sua voz apresentava-se
trêmula, demonstrando nervosismo. Talvez por estar prestes a se
envolver em uma situação nova. Fazer declaração
de amor, quem sabe...
- Venceslau, estou gostando de alguém e queria saber sua opinião.
-Que bom saber que minha opinião vale alguma coisa para você,
respondi forçando cérebro a fim de descobrir o teor da
conversa.
Queria ter talento literário o suficiente para descrever com
eficiência a grandiosidade da minha alegria ao ouvir aquelas palavras.
De quem estaria ela gostando se não de mim?
-Faça o que achar melhor, Joana. Se realmente gosta de alguém,
declare-se o quanto antes. Não tenha medo. O medo de tentar nos
tira a oportunidade de sermos felizes.
-Obrigada pela força. Mas, será que o Silvério
não já tem namorada?
-Quem? Silvério?
-É, Silvério, nosso vizinho, filho de Dona Cacilda e de
seu Godofredo, primo de Benedita, tio do Albertinho filhinho da Cacilda
e seu grande amigo.
Desliguei o telefone e me recolhi a uma insônia angustiante.
Eles começaram um namoro. Dois anos depois se casaram. Dei graças
a Deus quando pintou um emprego no Pantanal do Guaporé, de onde
retornei dois anos depois.
Refletindo algumas vezes, percebi que talvez eu tivesse sido a pessoa
mais importante da sua vida. Foi comigo que ela aprendeu a rir e a falar;
eu fui a primeira pessoa a quem ela disse que gostava de ser amigo;
foi a mim que ela recorreu, quando precisou de um conselho. Ela confiava
em mim o suficiente, e a vi desabrochar para uma vida a dois, pena que
eu não fui o escolhido.
Hoje eu tenho setenta e oito anos de idade, ela deve ter uns setenta
e cinco. O cansaço físico me pede uma trégua e
o cérebro não quer mais ficar lembrando nada daquele tempo.
Só uma imagem fica... E é a de Joana, deitada em sua canga,
naquela areia escaldante.
|
|