Poesia publicada no livro "Históricas, causos e lorotas ..." - Edição Especial - Maio de 2013



 


Luna Di Primo
Uberlândia / MG

 

O galo ciscador

 


O causo que narro, agora, ocorreu numa velha fazenda mineira, onde acontecem os encontros de violeiros e amigos. A festança iniciava ao cair da tarde e varava a madrugada esperando o raiar do dia. Eram truqueiros, sanfoneiros, violeiros, contadores de causos e algumas mulheres na cozinha a preparar os comes e bebes que corriam as mesas. É, porque tem mulheres truqueiras, também, assim como violeiras, sanfoneiras... Enquanto isso, as meninotas passavam os olhos pela rapaziada, arriscando um namorico.
Para garantir o salvar da ressaca da noite não dormida, é de costume, lá pelas tantas da madrugada oferecer aos convivas uma farofa e um caldo de galo. Ali, não se fala em caldo de frango ou de galinha. A sustança está no caldo do galo que fica cozinhando, enquanto todos se divertem.
Numas dessas festanças, lá pelas dez horas, sol a pino, estava uma turma à sombra de pés de manga, na porta da cozinha. Bem próximo observei um velho galo penso, que rodeava todas as galinhas que se encontravam no terreiro, ciscando à volta de cada uma, mas nada fazia, além de tentar escapar de uma carijó que saía a bicar em cada uma que ele rodeava.Curiosa, dirigi-me ao dono da fazenda a perguntar o que acontecia com aquele galo que rodava, rodava ciscando em volta das galinhas e nada fazia, ao que ele respondeu:
- Esse aí, durante o dia é o famoso rufião, só rodeia e cisca que cisca em volta dessas galinhas, mas nas madrugadas é o famoso comilão. Só que, como é erado, cada noite sobe numa, disse, soltando uma divertida risada e acrescentou:
- Esse aí não dá mais de uma por dia não. E assim, começou a contar que esse galo rodeava todos os poleiros com as portas abertas. E afirmou que as portas já ficavam abertas, propositalmente, para que ele entrasse e ciscasse. Que as galinhas adoravam aquele ciscado. Ciscava num poleiro, ciscava noutro e a carijó ia atrás com seu cacarejar que parecia dizer: - eita, que galo peste e seguia pra todos os lados avançando nas outras.
O galo ciscador era um galo já erado, mas igualmente assanhado. Elas também já eram eradas. E aquele galo tinha um quê de encanto sobre elas. Talvez o cantar insinuante, como: - Eu subo em você! Eu, ainda, consigo me equilibrar nas suas costas, parecia dizer provocante.
E lá se vai o galo galã, assim chamado por ser dono de um grande charme. E a essa altura da conversa, já percebida pela turma, que em silêncio acompanhava o diálogo e de olho no galo, fizeram a pergunta: - Qual será a dessa noite? Arriscavam apostas pelo ciscar, mas era difícil saber. Qual será a sua eleita, se todas elas afeitas? Riam. E a carijó, atrás, a única que ele nunca subia, disse o anfitrião. Intrigados perguntaram por que o galã nunca subia naquela e tiveram a resposta que, a tal carijó era cheia de escândalos a bicar em qualquer outra e o era dado à discrição e silêncio.
- Que se atrevam as outras a aceitarem o ciscado desse galo velho... Disse, arrematando, o entusiasmado dono.
- E, daí, o que acontece? Alguém queria saber mais.
- Acontece, como acontece com todos nós, bichos, responde o festeiro, gostando de contar seu causo. Vence o mais forte ou poderoso ou a briga se torna infinda. As outras são espertas, esperam a calada da noite e o calor que chega na volta dia, quando a carijó não se aguenta, pois sofre de moleza. E lá se vão as espertinhas namorarem o velho galo ciscador que virou galã. Mas, para todos os efeitos, ele só come à noite, arremata com outra gargalhada.
Porém, alguém chega dizendo que aquele galo seria o 'tira ressaca' daquela noite e o dono mais que depressa, em meio aos protestos dos, já conquistados fãs do galo ciscador, que agora era galã, disse um incisivo não. E justificou, a todos que, ele era galo velho, mas era galã. Para os presentes não teve nada melhor, caíram em gargalhada e todos se divertiram com esse causo, a se contentarem com uma canja de galinha pra noite ou madrugada. Afinal, o velho galo ciscador, que agora era galã, merecia ser o rei naquele terreiro e continuar ciscando.

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