Helio Sena
Massapê / CE

 

 

Acuado

Eu era novinho, bobinho, quando resolvi me esconder de tudo e de todos.
Então mergulhei debaixo da minha cama e fiquei ali por um tempo indefinido.
Até que, dedurado por minha irmã, meus pais me encontraram e fui extraído de lá; saí com a cara pálida e o coração aos pulos.
Quedei triste, amuado.
Minha irmã disse que eu deixasse de besteira, devia era dar graças a Deus por ter pais como os nossos, solícitos e preocupados. Mandei ela ir se lascar, e, uma semana depois, saí pra morar na rua com mendigos e toda sorte de excluídos.
Nos primeiros dias achei que estivesse no paraíso, mas o diabo logo começou a me atazanar, e eu comecei a querer de novo me enfiar debaixo da minha cama.
Uma noite, já não suportando mais aquela vontade louca, bati na porta de casa. Fui atendido por uma coroa de cabelo oxigenado, que perguntou o que eu queria.
“Quem é você?”, perguntei.
“Como assim, quem eu sou?  A dona da casa, ora bolas!”, disse ela, e bateu a porta com estrondo.
Saí dali cabisbaixo, me perguntando o que poderia ter acontecido com meus pais, com minha irmã, em tão curto período de tempo.
Ao dobrar uma esquina escura, esbarrei num drogado. Ele tinha uma faca, e exigia que eu lhe desse dinheiro, entregasse o celular. Falei que não tinha um centavo, nada, e ele me xingou de escroto.
O cara, então, veio pra cima de mim e – não sei como – consegui escapulir.
Desci a rua correndo e fui me abrigar sob as ruínas de um casarão abandonado, perto da fábrica de cimento. Deitei de papo pro ar, e passei a noite ali, caçando alguma estrela no céu.
O dia amanhecendo, adormeci.
Tive um sonho esquisito: sonhei que eu estava debaixo de uma ponte, e, de repente, a ponte desabava, e, quando eu achava que ia ser esmagado, eis que descobria que era apenas um pesadelo, e tudo começava outra vez.
Daí despertei, o sol ardendo em meu rosto.
 “Levanta, condenado!”, gritou uma voz conhecida, ao meu lado.
Era o meu pai.
Saltei longe, feito um gato – bem a tempo de escapar da dor e da humilhação da bofetada...
Minha mãe apareceu ofegante e aos prantos. Minha irmã também. Ofegante e aos prantos, tadinha...

...

Mais tarde, um  pouco mais  tarde, tivemos um final feliz: papai (sim!), mamãe (sim!), minha irmã (sim!)  – e, claro, euzinho aqui!
Bom, eu  penso que foi assim.


 
 
Poema publicado no livro "Painel de Contos Premiados" - Outubro de 2017