Poesia publicada no Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo - Edição 2013 - Setembro de 2013

Adriano de Jesus Santos
Guarapari / ES

O resgate

Miguel subiu o morro com uma rapidez que nem ele mesmo acreditou. Foi comprar um produto solicitado pela vizinha. Cobrara urgência. Não era um trabalho remunerado, mas ele não se importava; não era um morro que ele gostava de subir, mas ele não se importava; não era uma fadiga que ele gostava de ter, mas ele não se importava; não receberia nada em troca, mas ainda assim, ele não se importava.
Antonieta não poderia subir aquele morro para comprar mercadorias na única mercearia do distrito. Foi tentando subi-lo há vinte anos que ela caiu lá de cima e rolou até a porta de seu Godofredo. Na época foi aquele reboliço. Ninguém sabia muito bem o que fazer. Os moradores não tinham o número da ambulância. Algumas pessoas queriam até chamar o IML imaginando que não seria possível resistir a um acidente tão violento. Imóvel, ela apenas mexia seus olhos lacrimejados. Uma multidão a rodeou, alguns queriam ajudá-la, outros sentiam apenas pena, outros ainda estavam curiosos em saber seu estado físico depois daquela queda brutal.
Conseguiram ligar para a polícia. A polícia acionou o Samu. A primeira hora passara e a ambulância não chegara. Antonieta já conseguia gritar, as escoriações e os ossos quebrados eram múltiplos. Havia uma fratura exposta na perna esquerda e outra no antebraço direito. Um de seus tornozelos virara pro lado e era perceptível alguns dentes faltando naquela boca ensanguentada.
Foram chamar seu Antônio para dar alguma solução para o problema.
- Não sou médico, disse ele.
- Mas é o líder da comunidade, retruncou Magnólia.
- Mas eu não sou médico! Aumentou o tom de voz.
- Mas isso não tira de você as responsabilidades sobre o que acontece aqui, falou calmamente o Yuri.
Seu Antônio não teve alternativa. Ele que estava tão entretido assistindo ao seu programa de TV favorito, teve de se dirigir até a multidão a uns vinte metros de sua casa.
A ambulância ainda poderia demorar muito, pois as estradas de acesso estavam em péssimas condições. Chovera uma semana direto e o que mais tinha pelo caminho eram lama e encostas desmoronadas.
- Então Seu Antônio, qual é a solução do problema?
- Vamos levá-la de maca até a BR, lá a ambulância chega.
- É muito longe, seu Antônio, gritou um.
- As lesões podem piorar, retrucou outro.
- Pode ser a única saída para ela, falou João obtendo o apoio da maioria.
Godofredo foi imediatamente pegar uma tábua em seu quintal e munido de martelo, pregos e quatro pontas de ripas, improvisou uma maca. Joana tratou de encontrar um colchonete e um lençol e lá se foi um grupo de sete homens naquela arriscada aventura de tentar salvar a vida de Antonieta. Quatro levam a maca, três ficavam no revezamento enquanto que a acidentada gritava a cada minuto.
Uma hora depois chegavam à rodovia contabilizando duas quedas da maca. A primeira foi consequência de um tropeço de Seu Godofredo num galho de árvore caída no chão. A segunda foi a mais dramática, pois Antonieta quase despencou de um morro ainda maior que aquele onde se acidentara, aí certamente seria fatal. O transporte, portanto, não fora nada tranquilo. A cada tropeço de um dos quatro, Antonieta gritava ainda mais alto. Ela não conseguia enxergar nada, mas tinha consciência de que estava sendo conduzida a algum lugar e pensava que sua situação estava dramática. Talvez não resistiria.
Pararam a maca no encostamento e ligaram para o Samu novamente. Receberam a promessa de que a ambulância chegaria dalí a vinte minutos. Meia hora depois se ouvia uma sirene. Era o corpo de bombeiros. Antonieta foi colocada no carro e acompanhada por Manoel ela foi conduzida até o hospital depois de passar pelos primeiros socorros.
Ficou internada um mês. Por oito dias esteve em estado gravíssimo no Centro de Tratamento Intensivo. Passou por dez cirurgias, uma para retirar um coágulo no cérebro. Sua vida, por diversas vezes, esteve por um triz. Mas sobreviveu ainda que em uma cadeira de rodas.
Apesar de não ter parentes, Antonieta nunca esteve sozinha seja no hospital ou em casa. Seus vizinhos iam visitá-la todos os dias. Além disso, a imprensa acompanhava o desfecho daquele caso. O resgate foi notícia em diversos jornais pelo caráter espetaculoso. A ambulância não poderia chegar ao local do acidente, mas um helicóptero poderia efetuar o resgate perfeitamente, lembrou um repórter.
Um médico socorrista foi entrevistado.
- Constatou-se que a paraplegia da vítima não foi por causa do acidente e, sim por causa da sua remoção inadequada. Ela não deveria ter ocorrido da maneira como aconteceu.
Quando Antonieta soube que teria de ficar em uma cadeira de rodas, entrou em desespero. Isso seria a pior coisa que poderia ter acontecido com ela, sussurou por inúmeras vezes.
A vítima entendeu tudo aquilo como fatalidade e não culpou ninguém, pelo contrário, agradeceu a seus vizinhos pelo esforço e dedicação. Mas Seu Antônio ficara com remorços, a final de conta foi dele a ideia de transportar Antonieta até a rodovia. Ele que não queria se intrometer, que repetiu por duas vezes que não era médico para resolver o problema de repente se culpou pela paraplegia da amiga.
Desde então ele se sentiu na obrigação de atender Antonieta naquilo que ela precisasse e não tivesse condições físicas de realizar. Não media esforços para ajudá-la e quando ele não podia, lá ia seu filho Miguel providenciar as boas ações. Ele fazia tudo de muito bom grado, pois sabia o quanto que seu pai sofreu por causa do acontecido. E quando seu pai sofria era como se ele estivesse sofrendo também. Era por isso que ele não se importava ainda que fosse um trabalho não remunerado, ainda que aquele morro fosse íngreme e a fadiga algo do qual ele não gostava.

 
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