Adriano
de Jesus Santos
Guarapari
/ ES
O
resgate
Miguel subiu o morro com uma rapidez
que nem ele mesmo acreditou. Foi comprar um produto solicitado pela
vizinha. Cobrara urgência. Não era um trabalho remunerado,
mas ele não se importava; não era um morro que ele gostava
de subir, mas ele não se importava; não era uma fadiga
que ele gostava de ter, mas ele não se importava; não
receberia nada em troca, mas ainda assim, ele não se importava.
Antonieta não poderia subir aquele morro para comprar mercadorias
na única mercearia do distrito. Foi tentando subi-lo há
vinte anos que ela caiu lá de cima e rolou até a porta
de seu Godofredo. Na época foi aquele reboliço. Ninguém
sabia muito bem o que fazer. Os moradores não tinham o número
da ambulância. Algumas pessoas queriam até chamar o IML
imaginando que não seria possível resistir a um acidente
tão violento. Imóvel, ela apenas mexia seus olhos lacrimejados.
Uma multidão a rodeou, alguns queriam ajudá-la, outros
sentiam apenas pena, outros ainda estavam curiosos em saber seu estado
físico depois daquela queda brutal.
Conseguiram ligar para a polícia. A polícia acionou
o Samu. A primeira hora passara e a ambulância não chegara.
Antonieta já conseguia gritar, as escoriações
e os ossos quebrados eram múltiplos. Havia uma fratura exposta
na perna esquerda e outra no antebraço direito. Um de seus
tornozelos virara pro lado e era perceptível alguns dentes
faltando naquela boca ensanguentada.
Foram chamar seu Antônio para dar alguma solução
para o problema.
- Não sou médico, disse ele.
- Mas é o líder da comunidade, retruncou Magnólia.
- Mas eu não sou médico! Aumentou o tom de voz.
- Mas isso não tira de você as responsabilidades sobre
o que acontece aqui, falou calmamente o Yuri.
Seu Antônio não teve alternativa. Ele que estava tão
entretido assistindo ao seu programa de TV favorito, teve de se dirigir
até a multidão a uns vinte metros de sua casa.
A ambulância ainda poderia demorar muito, pois as estradas de
acesso estavam em péssimas condições. Chovera
uma semana direto e o que mais tinha pelo caminho eram lama e encostas
desmoronadas.
- Então Seu Antônio, qual é a solução
do problema?
- Vamos levá-la de maca até a BR, lá a ambulância
chega.
- É muito longe, seu Antônio, gritou um.
- As lesões podem piorar, retrucou outro.
- Pode ser a única saída para ela, falou João
obtendo o apoio da maioria.
Godofredo foi imediatamente pegar uma tábua em seu quintal
e munido de martelo, pregos e quatro pontas de ripas, improvisou uma
maca. Joana tratou de encontrar um colchonete e um lençol e
lá se foi um grupo de sete homens naquela arriscada aventura
de tentar salvar a vida de Antonieta. Quatro levam a maca, três
ficavam no revezamento enquanto que a acidentada gritava a cada minuto.
Uma hora depois chegavam à rodovia contabilizando duas quedas
da maca. A primeira foi consequência de um tropeço de
Seu Godofredo num galho de árvore caída no chão.
A segunda foi a mais dramática, pois Antonieta quase despencou
de um morro ainda maior que aquele onde se acidentara, aí certamente
seria fatal. O transporte, portanto, não fora nada tranquilo.
A cada tropeço de um dos quatro, Antonieta gritava ainda mais
alto. Ela não conseguia enxergar nada, mas tinha consciência
de que estava sendo conduzida a algum lugar e pensava que sua situação
estava dramática. Talvez não resistiria.
Pararam a maca no encostamento e ligaram para o Samu novamente. Receberam
a promessa de que a ambulância chegaria dalí a vinte
minutos. Meia hora depois se ouvia uma sirene. Era o corpo de bombeiros.
Antonieta foi colocada no carro e acompanhada por Manoel ela foi conduzida
até o hospital depois de passar pelos primeiros socorros.
Ficou internada um mês. Por oito dias esteve em estado gravíssimo
no Centro de Tratamento Intensivo. Passou por dez cirurgias, uma para
retirar um coágulo no cérebro. Sua vida, por diversas
vezes, esteve por um triz. Mas sobreviveu ainda que em uma cadeira
de rodas.
Apesar de não ter parentes, Antonieta nunca esteve sozinha
seja no hospital ou em casa. Seus vizinhos iam visitá-la todos
os dias. Além disso, a imprensa acompanhava o desfecho daquele
caso. O resgate foi notícia em diversos jornais pelo caráter
espetaculoso. A ambulância não poderia chegar ao local
do acidente, mas um helicóptero poderia efetuar o resgate perfeitamente,
lembrou um repórter.
Um médico socorrista foi entrevistado.
- Constatou-se que a paraplegia da vítima não foi por
causa do acidente e, sim por causa da sua remoção inadequada.
Ela não deveria ter ocorrido da maneira como aconteceu.
Quando Antonieta soube que teria de ficar em uma cadeira de rodas,
entrou em desespero. Isso seria a pior coisa que poderia ter acontecido
com ela, sussurou por inúmeras vezes.
A vítima entendeu tudo aquilo como fatalidade e não
culpou ninguém, pelo contrário, agradeceu a seus vizinhos
pelo esforço e dedicação. Mas Seu Antônio
ficara com remorços, a final de conta foi dele a ideia de transportar
Antonieta até a rodovia. Ele que não queria se intrometer,
que repetiu por duas vezes que não era médico para resolver
o problema de repente se culpou pela paraplegia da amiga.
Desde então ele se sentiu na obrigação de atender
Antonieta naquilo que ela precisasse e não tivesse condições
físicas de realizar. Não media esforços para
ajudá-la e quando ele não podia, lá ia seu filho
Miguel providenciar as boas ações. Ele fazia tudo de
muito bom grado, pois sabia o quanto que seu pai sofreu por causa
do acontecido. E quando seu pai sofria era como se ele estivesse sofrendo
também. Era por isso que ele não se importava ainda
que fosse um trabalho não remunerado, ainda que aquele morro
fosse íngreme e a fadiga algo do qual ele não gostava.