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Rafael Ferreira da Silva
São Paulo / SP

 

A lição de Horácio

Horácio começou a trabalhar em uma renomada multinacional muito jovem. Graças à dedicação aos estudos, comprometimento com as políticas da empresa, senso de responsabilidade e esforço imensurável no alcance das metas estabelecidas, teve uma carreira bem sucedida, chegando ao cargo de supervisor com relativa rapidez.
Todos os colegas gostavam de Horácio. Afinal, o rapaz nunca dizia não para ninguém, sacrificava sua vida pessoal para cumprir todas as tarefas o mais rápido possível e cuidava dos mínimos detalhes. Trabalho feito pelo Horário era certeza de qualidade e pontualidade.
Contudo, a carreira de Horácio estagnou. Ano após ano, inexplicavelmente, a promoção para a gerência não vinha.
Embora não aceitasse a situação muito bem, a princípio Horácio entendia que havia ascendido com muita velocidade e talvez precisasse de um tempo de amadurecimento para assumir novas responsabilidades. Algumas vezes chegou a cogitar a mudança de emprego, mas como gostava muito da empresa, não levou a ideia adiante.
Entretanto, em um determinado ano, Sueli, famosa na empresa por sua inteligência limitada, mas dona de um corpo estonteante, foi promovida à gerência e Horácio não. Aquilo foi a gota d’água! Revoltado e visivelmente exaltado, Horácio foi até a sala de Gérson, diretor do setor, para cobrar explicações:
- Qual é o problema comigo? Não existe qualquer crítica ao meu trabalho e eu não sou promovido! Agora até a Sueli é minha chefe.
Sentado em uma confortável cadeira de escritório, com os pés sobre a mesa e um sorriso cínico, Gérson respondeu:
- Você ainda não percebeu que os outros estão te usando? Você faz tudo e não recebe o crédito por nada. Precisa aprender a fazer política e arrumar uns trouxas que façam as coisas por você.
A vontade de Horácio era dar um soco na cara de Gérson e mandar a empresa para o inferno. Entretanto, após alguns segundos de reflexão, Horácio respirou fundo e respondeu:
- Pode deixar, entendi o que tenho de fazer.
Daquele dia em diante, Horácio virou outro dentro da empresa.
Dificilmente Horácio era visto em sua mesa. Normalmente estava na sala de algum diretor, isso quando não era na de um dos vice-presidentes. Virou mestre na arte de rir de piadas sem graças e ouvir histórias enfadonhas. Era o primeiro a elogiar as ideias de seus superiores hierárquicos, puxava os aplausos após a fala deles em palestras ou conferências e, quando alguém se apresentava como um opositor aos seus suseranos corporativos, Horácio se transformava em um advogado combativo dos mesmos.
Exceto se fosse para atender a seus objetivos pessoais ou fazer um favor para seus superiores hierárquicos, Horácio não ajudava mais ninguém dentro da empresa. Muitas vezes o pedido dos colegas não lhe custaria nada, mas se não houvesse uma vantagem corporativa, era o mesmo que solicitar para a parede.
Qualquer trabalho que estivesse sob a responsabilidade de Horácio, agora não era mais ele que fazia. Tudo era delegado aos subordinados. Mais do que nunca seus braços estavam tão curtos quanto do personagem homônimo de Maurício de Souza.
Quando o trabalho era elogiado e trazia bons resultados para a empresa, Horácio reivindicava os louros para si. Por outro lado, se algo dava errado, sempre havia um culpado que traiu a confiança que Horácio depositou nele e normalmente o infeliz era despedido.
Entre seus pares e subordinados, Horácio passou a ser odiado. Todavia, o marketing pessoal com os superiores funcionou e em menos de um ano da conversa que teve com Gérson, Horácio conseguiu uma dupla promoção.
A partir de então, Horácio passou a ter o mesmo status de Gérson na empresa.
Mensalmente os diretores e gerentes da empresa tinham que se reunir na sede que ficava no interior do estado. Os deslocamentos eram feito por meio de vans que comportavam 7 ou 8 pessoas.
Durante uma das viagens mensais, um carro estava parado atravessado no meio da estrada, aparentemente por conta de um atropelamento. O motorista da van parou e desceu com o objetivo de ajudar. O problema é que ele voltou acompanhado de um sujeito que portava um revolver e assim falou quando a porta foi aberta:
- Pelo visto hoje é meu dia de sorte! Um bando de engravatado dando sopa. Vamos lá! Comecem a passar tudo de valor.
Todos estavam paralisados pelo medo e por um momento ninguém reagiu.
Aproveitando a oportunidade Horácio começou a dizer:
- Acelera pessoal! O rapaz não tem o dia todo. Vamos entregar logo as carteiras, alianças e celulares.
Atônito, o ladrão somente olhava e Horácio insistia:
- Que moleza é essa galera? Temos que ser rápidos. Ô motorista, não fica só olhando não, ajuda a recolher as coisas.
Certamente movido pelo hábito de obedecer, o motorista passou a pegar cada um dos itens que eram entregues pelos passageiros e os colocava em uma sacola.
Assim que o motorista terminou Horácio conferiu a sacola e disse:
- Poxa Gérson! Você não colocou o tablet aqui. Depois o moço percebe, fica bravo e dá um tiro na gente.
Contrariado, Gérson retirou o tablet que havia escondido embaixo do banco e o colocou na sacola.
Horácio pegou a sacola e a entregou para o ladrão dizendo:
- Olha, dei uma conferida e não faltou nada. Vai nessa irmão e não fica vacilando senão os “homi” te pega.
Depois de dizer obrigado, o ladrão pegou a sacola e fugiu com o comparsa que o esperava.
O grupo da van estava desolado. Enquanto prosseguiam com a viagem faziam o inventário de tudo que haviam perdido. Nesse instante Gérson perguntou para Horácio:
- O que o ladrão levou de você?
Horácio respondeu:
- Nada!
Indignado, Gérson indagou:
- Como assim nada?
Foi quando Horácio respondeu:
- Apliquei uma lição que um sujeito que você conhece bem me ensinou. Bajulei aquele que estava no comando, resguardei meus interesses e fiz o que ele queria usando uns trouxas que estavam à disposição.

   
Publicado no "Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo" - Edição Especial - Agosto de 2014