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Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

A onça pintada


Fantasiou-se de fantasma e foi para mata, queria assustar uns caçadores que viviam naquelas redondezas em busca do couro de onças pintadas. Subiu numa árvore bem folhuda e de copa alta, que já tinha escolhido quando arquitetou o plano. Acomodou-se num galho e ficou esperando com uma lata de tinta amarelo queimado. Ele combinou tintas até chegar da cor das pintas das costas das onças pintadas. Armado com a lata de tinta e um pincel grande ficou no aguardo dos intrusos. Era um grande risco, estava consciente disso. Não pediu ajuda a ninguém. Ele tinha um grande amor e respeito pela natureza.
A noite foi chegando devagar, uns pios diferentes de pássaros noturnos, som de passadas amassando piso seco. O manto da noite cobriu a mata. Um vento assoprava tirando suspiros das folhas. Uma meia lua espalhava fracos raios entre as folhagens. De vez em quando ele via o brilho de olhos de animais. Dizer que Pedro ainda tinha toda coragem de quando a começou a executar o plano seria querer enganar. Não dava para voltar atrás, teria que suportar a companhia do medo, dos arrepios nos cabelos, o tilintar dos dentes e o suor frio nas têmporas. Mas quando lembrava que estava vestido de fantasma e qual era o seu objetivo e o motivo de estar ali, conseguia resistir.
De repente, não mais que de repente ouviu um barulho e o uivo inconfundível da onça pintada. Pedro tremeu tanto que despencou da árvore. Estava tão apavorado que caiu em pé pertinho da onça. Ela olhou para ele, ficou paradinha, olhos nos olhos e foi levantando as patas dianteiras. Como a lata estava presa à cintura e o pincel amarrado na mão, ele pensou, só pensou, em jogar tinta na onça. Correr nem cogitar, as pernas estavam moles não aceitavam comando. Foi só o tempo de fazer uma pequena oração. A onça deu um bote, ele caiu no chão, a tinta espirrou na cara da onça, ela uivou de novo e foi para trás da árvore. O rapaz teve dó da coitada, poderia ficar cega! Esticou o pincel para ver se conseguia limpar os olhos da onça. A felina rodou em volta da árvore e ele atrás dela. Ele deu meia volta e ficou de frente para o animal e rapidamente conseguiu tirar um pouco de tinta segurando no cabo do grande pincel. Ela fugiu apavorada e assustada com aquele bicho branco que tinha cuspido fogo em seus olhos e que ela “a onça” nunca tinha visto por ali. Jogou-se ao rio e desapareceu.
Pedro não viu mais a onça, mas... os caçadores armados estavam se aproximando. Ele queria gritar: - não atirem, a voz não saía, então ergueu os braços, a lata de tinta estava virada para baixo e começou a escorrer. Quando um dos homens acendeu uma lanterna de caça e todos viram aquela figura grotesca, um fantasma sangrando vindo em direção a eles, os cavalos relincharam empinando e não quiseram seguir, os caçadores fizeram o sinal da cruz, deram meia volta e bateram em retirada.
Parece história de mentiroso, mas sempre que narrava esse fato, meu pai exibia orgulhosamente a fantasia de fantasma manchada de tinta que tinha pertencido ao meu avô.
A verdade é que ficou provado que caçadores e onças pintadas têm medo de fantasmas.

 


   
Publicado no "Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo" - Edição Especial - Agosto de 2014