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Rodolfo Franzão
São Paulo / SP

 

Olavo, às margens do Ipiranga

- Um copo, por favor.
- Só um? Responde o atendente do bar.
Olavo olha para um lado, olha para o outro. Pensa se o balconista está cego, mas não diz ao homem.
Apenas responde:
- Só um.
Olavo abre sua bolsa e pega sua garrafa de café, que carregava sempre com ele. O rapaz não gostava muito da sujeira da rua. Costumava fazer seus lanches em casa e trazia sua comida sempre com ele. O vendedor andava o dia todo pelas ruas do centro de São Paulo e gostava de parar nos bares para lanchar.
Quando abria sua garrafa de café o cheiro chamava a atenção dos fregueses dos bares e Olavo se orgulhava disso. Então, pegava seu copo descartável e colocava seu café. Sim, o copo, que pedia para os atendentes, nunca era usado. Essa foi a forma que Olavo achara de poder sentar e ficar em paz como se estivesse decidindo o que pediria da casa. Mas como era muito rigoroso com a higiene não demorava muito para comer e isso era seu diferencial. Quando os garçons ou balconistas davam por conta Olavo já havia sumido. Ali, só ficava o copo limpo.
Uma vez, depois de uma parada para o lanche. Olavo entrou na Biblioteca Mário de Andrade e foi ao banheiro para contar o dinheiro que havia recebido pela venda de uma máquina Industrial. Trancou-se no banheiro e começou a contar as notas, nisso uma delas caiu dentro da privada. Cinquenta reais dentro da privada. O banheiro estava bem lavado e a água do vaso sanitário estava tão branca e límpida que daria para criar um peixe ali. Olavo ameaçou colocar a mão na água e pegar os cinquenta reais que pertenciam ao seu chefe. Só, ameaçou, pois pensou em todos os micróbios que estavam naquela água e nas doenças contagiosas provocadas pelo contato com a água do vaso sanitário. Olavo saiu puto da Mário de Andrade.
- Nunca mais volto. Nunca mais. Falava alto e sozinho ao sair da biblioteca.   
Olavo desceu para rua da Consolação, passou em um caixa eletrônico e sacou cinquenta reais. Tiro do meu bolso, mas não vou me infectar por cinquenta reais esse era o pensamento do vendedor, que morria de medo de ser contaminado na rua.
Hospital era a perdição de Olavo. Quando menino ia ao Hospital puxado pela orelha. Sua mãe o levava arrastado. Ao passar em frente de Hospitais Olavo ria sozinho, lembrando das cenas de guerra que travava com a Dona Flor. Bons tempos. Agora não entrava em Hospital nem amarrado. Sempre que um amigo ficava doente, Olavo fugia do colega, nunca acompanhava ninguém a lugares como Posto de Saúde, por exemplo. O único lugar que ia era a farmácia do Marcio Japonês e só para comprar remédios. O vendedor evitava ficar doente tomando vitaminas e comendo cinco frutas por dia. Respeitava o tempo, se via que iria chover não saia de casa nem com guarda chuva.
Morava próximo do córrego do Ipiranga. Visitava sempre as dependências do Museu que levava o nome do córrego e que dera o nome ao bairro do Ipiranga. Ia ao museu, pois sabia que lá dentro podia ficar tranquilo, poucas pessoas passavam pelo lugar, isso diminuía o risco de contaminação de qualquer tipo.
Em uma de suas visitas ao museu. Olavo descia a Avenida Nazaré e um pequeno tumulto chamou sua atenção. Havia algumas pessoas paradas em cima de uma pequena ponte que corta o córrego do Ipiranga e fica ali na parte inferior do Museu, o parque da Independência.  O rapaz era precavido, mas também era curioso. Foi verificar o que as pessoas, ali, faziam.
Na ponte, Olavo matou a curiosidade. Um cachorrinho de uma madame, que lembrava a sua mãe, havia caído no córrego e como sua coleira estava presa a um galho de árvore, ainda não tinha sido levado pela pouca água que cortava o Ipiranga. Mas o cheiro da água fazia Olavo delirar e tremer de medo. Pânico total no rapaz. A mulher chorava desconsolada. Uma senhora magra e de certa idade, com certeza o cachorro era seu companheiro e amigo.
As pessoas ali olhavam e dispersavam rápido. Estavam muito ocupadas com suas caminhadas e corridas. Os meninos que pediam dinheiro no farol vinham, olhavam e iam embora. Sem compaixão pela pobre senhora. Só Olavo ficou ali a olhar a pobre mulher. Ela parecia muito com sua mãe. Um rapaz forte passou e disse:
- Esse já era, melhor a velha comprar outro Totó.
Olavo sentiu vontade de chamar a atenção do rapaz, mas ele era realmente grande.
A água ali cheira muito mal e as pessoas seguiam o fluxo das águas. Olavo nem sentia mais o mal cheiro do córrego. Olhava a senhora e o pobre cachorro, que não demoraria a ser levado pelas águas fedidas do Ipiranga.
Decidido vou descer e salvar o animal pensou o vendedor. Supero meus medos, a senhora parece a minha mãe e para as mães as ações dos filhos não podem ter limites. Amanhã, sairá a manchete no jornal “ Às margens do Ipiranga outro feito surpreendente aconteceu”. Quem se lembrava de Dom Pedro e do grito que criara o Brasil. Lembrar-se-ia de mim, Olavo o novo salvador das margens do agora córrego do Ipiranga. Não importa se aquele riacho fora reduzido a córrego. As pessoas associariam Olavo ao herói e até minhas vendas melhorariam. Receberei uma promoção pelos meus feitos. Assim pensava Olavo animado com a ideia de salvar o cão.
Olavo olhou três vezes para o córrego e decidido caminhou novamente em direção à Avenida Nazaré rumo a sua casa perto do Hospital Ipiranga.

 

   
Conto publicado no Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo - Edição Especial - Julho de 2015