Primeira vez neste site? Então
[clique aqui]
para conhecer um pouco da CBJE
Antologias: atendimento@camarabrasileira.com
Produção de livros: cbje@globo.com
Contato por telefone
Antologias:
(21) 3393 2163
Produção de livros:
(21) 3547 2163
(21) 3186 7547

Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

Um jantar de cobertor

Dilze, uma mulher que gostava de tudo muito correto, tudo certinho nos ínfimos detalhes. E ela era boa nisso. Entrou no estacionamento deixou o carro, anotou o local e foi às compras.
Preparar um jantar de gala para convidados VIPs era tarefa para pessoas competentes. Escolheu o cardápio, fez a listagem com a cozinheira. O jantar seria na residência de veraneio na cidade serrana. A casa abraçava até vinte cinco pessoas bem acomodadas, suítes grandes, arquitetura antiga. A parte externa muito bem projetada, só jardins e caminhos floridos o ano inteiro com muitos pássaros e borboletas e um recanto com uma belíssima cascata. A propriedade ficava afastada do centro de cidade e não tinha comércio, nem uma padaria. Sempre que ia para lá levava tudo. A cozinheira e outros empregados já tinham ido de véspera. Ela chegaria pela manhã para iniciar os arranjos para que tudo saísse perfeito e impecável.
Feitas as compras, quase tudo importado, vinhos especiais para acompanhar o tal requintado jantar. Vinte convidados, um bom número para tornar uma reunião agradável.
Chegou ao sítio, trocou a camionete grande com cabine dupla pelo pequeno carro de passeio. Pediu a um dos empregados que tirasse as compras e levasse para cozinha. Ela estava em cima da hora de ir ao salão de beleza e passar na costureira para pegar a roupa que tinha mandado fazer especialmente para ocasião. Enquanto o rapaz desocupava a mala do carro, para depois levar até à cozinha, ela entrou em casa rapidamente, falando ao celular, foi ao banheiro e saiu tão depressa quanto entrou. Já tinha combinado todos os detalhes, conhecia a equipe que era especializada em jantares especiais. Delegou poderes e ficou tranquila quanto ao jantar e à recepção. Ela teria que estar de volta antes dos convidados chegarem.
Passou primeiro na costureira, que desagradável, o vestido ficou largo. –Posso apertar, mas vou levar duas horas mais ou menos. Comentou a costureira.
– Depois do cabeleireiro volto aqui, falou Dilze com um ar de insatisfação na voz e no olhar.
O salão de beleza que estava cheio e um falatório complicado. Tinha algo de estranho no local. Veio a cabeleireira e avisou a Dilze: - Estamos sem luz e por isso atrasadas nos horários. Vai demorar uns trinta minutos ainda para normalizar a situação, foi um acidente com um caminhão que derrubou um poste. Dilze resolver relaxar e esperar. Fez o cabelo e as unhas, voltou à costureira. O vestido ficou ótimo. Resolveu ligar para casa para saber a quantas andava o jantar. Não encontrou o celular. Lembrou que entrou em casa rapidamente e deve ter deixado em cima da pia do banheiro. Ai que azar...
De regresso ao sítio, sem maiores cuidados com o jantar, pois deixou tudo bem esquematizadinho. Começava escurecer e ela estava encima dos ponteiros e a ainda tinha vinte cinco quilômetros de estrada. Procurou se ligar  na paisagem, a lua cheia começando a despontar brincava de esconde-esconde com umas poucas nuvens rosadas num céu azul lindo. Ela estava feliz!
Enfim chegou ao sítio. Estranhou o portão aberto e quando entrou os empregados vieram correndo, falavam todos ao mesmo tempo, ela não entedia nada. Nos rostos deles raios fundos de preocupação. Até que um deles falou: - Os convidados já estão chegando. – Que bom! Respondeu ela.  A arrumadeira comentou: - Arrumei a casa toda novamente com as coisas que a senhora comprou, coloquei dois cobertores em cada cama, a senhora trouxe muitos cobertores e não precisava, aqui tem uma quantidade boa e eu lavei todos e estão cheirosinhos. Troquei até os conjuntos dos banheiros.
 Dilze intrigada perguntou? – Que eu comprei?  E a cozinheira quase chorando: - Fiz o que pude dona Dilze, mas a senhora só comprou coisas de casa e para cozinha veio só um escorredor de pratos. Dilze quase desmaiou.
- O quê? Só coisas de casa? Comprei tudo da melhor qualidade e gastei uma nota altíssima no supermercado, vinhos caríssimos e no final chequei toda a lista não faltou nada, do que é que vocês estão falando?
A cozinheira continua: - pedimos algumas coisas na vizinha do outro sítio,  pegamos fiado na fazenda lá da frente uns frangos, seu Manoel o jardineiro trouxe o arroz e feijão que tinha em casa e eu mandei pegar farinha, alho e cebola na minha casa, uns legumes, verduras e laranjas  na casa da arrumadeira. E a cozinheira repetia e repetia: - fiz o que pude dona Dilze, fiz o que pude e sacudia o avental.
Dilze pediu um copo com água e açúcar. Ela lembrou que quando foi abrir a mala o carro, ao lado tinha outro carro igualzinho, marca e cor, que abriu a mala ao mesmo tempo em que ela. E nesse ínterim ela foi pegar dinheiro trocado no console para dar ao rapaz que levou as compras até ao estacionamento. Os boys devem ter trocado os carros e as compras. Meu Deus foi nessa hora! Dilze desesperada pensava: - Que vou fazer, que fiasco! Quem ficou com as minhas compras?
O requinte está na simplicidade de quem não vê limites na hora da necessidade e lança mão de recursos inimagináveis. Espaços reservados e atingíveis somente aos grandes e audaciosos artistas e inventores que se entregam ao prazer da criatividade intuitiva sem medo e ousam derrotar o limitado inesperado sem dar abrigo ao desespero.
E Dilze serviu um jantar de cobertor!!!  Entrada – salada de alface com  flores de hibisco e capuchinha  e um caldo quente de abóbora e torradinhas;  prato principal - frango assado com farofa de feijão preto e ervas acompanhado de  batata doce frita;  sobremesa doce de caqui com calda de pétalas de rosa  temperada com pimenta;  e a bebida... a bebida...  suco de laranja natural. Na adega algumas garrafas de vinho comum.

   
Conto publicado no Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo - Edição Especial - Julho de 2015