Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

 

Chá de burrico

      

           

         Manuela nasceu linda, parecia ter sido desenhada e pintada por Monet. Todos que a olhavam pela primeira vez diziam: Como é linda! Quando completou treze anos era de uma beleza surpreendente. O pai estava preocupadíssimo. Ele imaginava conseguir um compromisso de casamento para ela o mais cedo possível.
        Reinaldo tinha cinco filhos, três meninas e dois meninos. Todas as crianças eram robustas e bonitas, mas a Manuela era de uma boniteza incomparável.
        Ele nasceu numa cidade de interior onde não tinha iluminação elétrica nem ruas calçadas, nem coletivos, portanto a cultura local era uma questão geográfica. O pai de Manuela foi para a capital trabalhar, e por lá  se casou, mas a maneira de pensar não mudou, ele continuava na mesma formatação em pensar e agir da família do interior. 
         Era costume naquela cidadezinha as meninas serem compromissadas em casamento muito cedo.
        Preocupado com a filha ele resolveu passar o final de semana na casa de uns parentes na cidade onde ele nasceu e queria levar Manuela para os tios conhecê-la. A mãe não poderia ir, tinha um compromisso importante e ficaria com os filhos menores, mas deixou que ele levasse o filho mais velho, que era um rapaz de dezesseis anos e a bela Manuela.  Os jovens não estavam muito animados com o passeio, mas felizes com a aventura. Foram recebidos com muita alegria e uma mesa farta esperava por eles para um lauto café da manhã.
        Passaram o resto da manhã conhecendo a fazenda dos tios e primos. Ficaram encantados com os animais, tudo era novidade para eles, até a maneira de falar daquele grupo social.
        O pai estava sempre cochichando com os parentes, os filhos não entendiam o que é que estava sendo escondido deles.
         Foi anunciado que o almoço seria na casa do primo Domingos, que morava a uma distância mais ou menos próxima. Chegaram ao meio dia e meio à casa do primo. A mesa enorme já estava posta. Bem arrumada e com muitos pratos culinários: Ovo frito, espaguete com ovo frito e queijo parmesão por cima dos ovos, batata frita, ensopado de batatas com espaguete, salada de batatas com ovos cozidos, omelete de batatas cortadas bem fininha, frango frito, frango ensopado com batatas, frango assado com batatas douradas, purê de batatas coberto com ovos mexidos e todos os pratos que se possa imaginar com os ingredientes que tinha na granja do primo Domingos. A mulher do Domingos comentou com o pai das crianças: - Procurei fazer um almoço de noivado. Ele respondeu: - Calma prima, tem a prova do burrico, essa prova é que vai decidir. - É... Vamos esperar com paciência, disse ela.
         O que chamou a atenção dos irmãos foi um primo em segundo grau de uns vinte e cinco, que não tirava os olhos de Manuela, mas não se aproximou dela.
        Terminado o almoço, depois da sobremesa e muita conversa e risos. Estavam sentados à sala, quando todos levantaram e foram para o quintal em total silêncio. Um senhor chegou trazendo um burrico enfeitado com um lindo colar de flores e o arreio coberto com uma manta branca muito bem trabalhada em crochê. O bichinho estava muito bonito. E então... Começou a cerimônia tradicional daquela região.
        O primo Domingos chegou perto de Manuela e convidou-a para dar uma volta no burrico, ela respondeu que não queria montar no burrico. O pai insistiu com ela, depois a tia e por fim aquele primo que não tirava os olhos dela. “Vamos linda mocinha, só uma voltinha”. Ela meio sem saber o que fazer com tanta insistência respondeu: - Só uma voltinha.
        O pai ajudou Manuela subir no burrico e completou: - Segura as rédeas e não precisa fazer mais nada. Quando ela segurou as rédeas, o burrico, que estava virado para porta de entrada da casa, deu meia-volta e começou a andar. No portão de entrada da propriedade tinha três caminhos: um para frente, um para a direita e outro para a esquerda. Ouviu-se uma gritaria e muitos aplausos quando o burrico foi pelo caminho da esquerda. Manuela assustada começou a gritar “me tirem daqui, me tirem daqui, eu quero voltar”. - Nós vamos caminhando atrás, não precisa ter medo, nós queremos ver aonde ele vai levar você. Gritou o primo Domingos. Ela soltou as rédeas e saltou fora do lombo do burrico. Todos voltaram para dentro de casa, pegaram uns embrulhos e foram embora e nem se despediram de Manuela.
        Reinaldo, pai dos jovens, calado e com cara de aborrecido voltou com os filhos naquele dia mesmo para casa.
        O irmão de Manuela, uns dias depois do acontecido, chamou a irmã e contou para ela que ouviu sem querer uma conversa de uma mulher explicando para outra mulher, que não era daquela comunidade, o porquê daquela cerimônia.
        - Conta logo! - Pediu Manuela.
        - Você se livrou de ficar noiva daquele cara que não parava de olhar para você. – Eeeeeu, tá maluco mano? - Respondeu a menina.
         O dono do burrico é contratado para trazer o animal. E ele traz o bichinho todo enfeitado. O cara cobra caro e quem paga é o pai da moça.
         A candidata a casar senta no burrico, se ele levar a moça até a casa do rapaz está selado o compromisso. E na casa do rapaz tem uma grande festa na semana seguinte para o noivado.
        E o burrico estava indo no caminho da casa daquele cara. E como você mana, não sabia de nada e intuitivamente pulou fora. - Para, para com essa história bizarra. - Gritou Manuela.
        E ele continua: - Tem vezes que o burrico não dá nem um passo para carregar a moça, e se insistirem ele deita no chão, ou então caminha só um pouquinho pelo caminho errado.
Continua o irmão dela: - E todos levam presentes para os noivos, é o “chá de burrico”, é como se fosse um “chá de cozinha”...
       Manuela fala em tom de mágoa: - Estava tudo combinado...

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo" - Agosto de 2017