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Rozelene Furtado de Lima
Teresóplis / RJ

 

Sinal da Cruz

 

 Fábio e Juliana sonhavam em comprar um sítio no interior, queriam sossego longe da problemática da cidade grande. Faltava menos de um ano para aposentadoria do Fábio e ele se dedicaria a carreira de escritor e ela era artista plástica renomada. Entraram em contato com um corretor amigo e uma semana depois foram visitar um sítio. Adoraram. Tinha cachoeira, mata com uma variedade enorme de pássaros e alguns animais silvestres. Uma casinha de pau-a-pique pintadinha de branco com janelas e portas na cor verde água. Muitas árvores frutíferas, e flores. Os dois ficaram encantados com o local, era tudo ou mais do que desejavam. E o preço incrível! Voltaram para casa com o negócio fechado. Novas motivações, novos ares, novos planos. Quanta alegria!!!  As preocupações mudaram. Conseguir um caseiro, fazer algumas modificações na casa. Adaptar o lugar aos novos donos. Ficaram indo e voltando no mesmo dia até chegarem as férias.
         Primeiro final de semana no sítio, mesmo que não estivesse tudo arrumado. Foram cantando músicas de um CD que lembrava o começo do namoro.  Pararam na padaria e o padeiro viu logo que não eram do lugar e perguntou se moravam por perto, ao que eles responderam: - compramos o sítio dos Pássaros Azuis, o padeiro fez o sinal da cruz  balançando a cabeça, eles não entenderam, mas também não deram muito importância. Pararam na Igreja para saber o horário das missas e encontraram a moça que fazia limpeza. Quando disseram que iam morar no Sítio dos Pássaros Azuis, a moça arregalou os olhos e fez o sinal da cruz. Resolveram almoçar, gentilmente o dono do restaurante veio conversar com eles, mas quando falaram o nome do sítio ele fez imediatamente o sinal da cruz e deu dois passos para trás.
       Juliana comentou com o marido: - você não acha engraçado quando falamos o nome do sítio eles fazem o sinal da cruz? Fábio respondeu: - eu também notei isso, deve ser um hábito do lugar, toda cidadezinha tem características próprias, jeitos e trejeitos. Eu penso que deve ser uma forma de desejarem boas vindas abençoando. Cada comunidade forma suas particularidades assim como as famílias e casais tem seus códigos com gestos, frases, ensinamentos, especialidades alimentares,  e é comum você ouvir “ na minha casa era proibido... ou  sempre foi uma exigência da minha mãe... minha vó não usava... e daí por diante. Riram e seguiram felizes, rumo à nova casinha ao novo lar.
 É um mau hábito classificar a flor por uma semente desconhecida e que ainda não se plantou.
        Casa muito antiga. Combinaram não modificar o estilo da casa. Tinha uma nascente com água fresquinha e limpinha, que originalmente foi encanada até à porta da cozinha e ali colocaram uma bica para lavagem de louças e era tão singela que resolveram manter.   As louças e panelas eram deixadas de molho à noite numa bacia própria que ficava embaixo da bica e pela manhã as louças eram lavadas e colocadas numa mesa ao sol para secarem. Era tão romântico!
         Na primeira noite na casa escutaram um barulho que não identificaram bem, estavam muito cansados e dormiram em paz. Quando acordaram, surpresa!!! A louça estava toda lavada e secando ao sol. Juliana soltou uma gargalhada e completou “o lugar além de lindo é mágico!” Tudo que eu queria era ver a louça lavada e fez o sinal da cruz como os moradores daquela comunidade. Fábio ficou intrigado, mas tinha muita coisa para ajeitar não perdeu tempo analisando o fato – deve ser código da comunidade e da boa vizinhança e fez também o sinal da cruz.
          Com acontece com quase todos os artistas a inspiração não avisa, chega de supetão. Juliana pegou a tela branquinha e começou a pintar o cenário tendo como objeto principal a bica com as louças secando ao sol, só parou de pintar quando o marido chamou para saírem. Terminaria a pintura no dia seguinte, guardou o cavalete com a tela na sala. Saíram para fazer compras.  Na loja de material de construção Fabio perguntou ao vendedor se conhecia alguém que quisesse ser caseiro no sítio deles. – O senhor assina carteira, paga salário e dá casa com contas pagas? – Sim pago tudo isso, um bom salário e uma camionete para uso do sítio. É muito boa oportunidade, comentou entusiasmado o dono da loja e indagou: - onde fica o sítio? – É o Sítio dos Pássaros Azuis respondeu Juliana. Imediatamente ele  arregalou os olhos, fez o sinal da cruz e respondeu:-“ Não sei não senhor, aqui todo mundo tem seu trabalho”. Fábio agradecendo respondeu: - se souber de alguém manda no sítio estaremos lá de férias até o final do mês. O cara fez novamente o sinal da cruz e Fábio não resistiu fez também o sinal da cruz como se fosse um cumprimento.
        Na segunda noite ouviram novamente uns barulhos estranhos, mas como resolveram manter a iluminação de lampiões e lamparinas e já estavam apagados deixaram para lá, o cansaço venceu. Dormiram. Precisamos nos acostumar com os ruídos daqui, resmungou Fábio.
         Pela manhã as louças estavam lavadas secando ao sol e as panelas brilhando de tão areadas. Dessa vez Juliana não riu, expressou um ar de preocupação e fez o sinal da cruz como o povo da região. Fixou a atenção no maravilhoso canto dos pássaros e foi pegar a tela para terminar. Surpresa!!!  A tela estava pronta, totalmente terminada com mais alguns detalhes ... uma mulher de costas vestida de branco, cabelos longos, lavando louça e pássaros azuis bebendo água embaixo da bica. Um arrepio percorreu o corpo de Juliana como se fosse uma corrente elétrica foi a primeira vez na vida que sentiu os cabelos ficarem em pé como arames. E Fábio apontou para uma árvore que tinha em frente a casa e que estava derrubada com uma foice fincada no tronco.
      Anúncio nos classificados: VENDE-SE URGENTE:  lindo sítio com mulher fantasma vestida de branco que lava louças na madrugada, pinta quadros e não se sabe mais o que ela é capaz de fazer.

 

 
 
Conto publicado no livro "A mulher de branco e ..." - Edição Especial - Outubro de 2015