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Francisco das Chagas Dias
São Luís / MA

A moldura de Levena

Levena tinha nanismo. Era o único caso na família. Os dois irmãos eram normais, assim como os pais. Ela se sentia desconfortável com sua situação, mas na frente dos pais mostrava-se forte e corajosa. Também procurava sempre nas adversidades que constantemente a vida lhe impunha ser alguém positiva e perseverante.
Sua irmã Poliana era a atração da casa e da rua onde morava. Ela era sexy mais que bonita e abusava disso e ao mesmo tempo usava esse atributo a seu favor. Sendo assim chamava a atenção de todos: da família, das outras mulheres, dos homens, acentuando ainda mais o isolamento que Levena encontrava-se.
Levena tentava, contudo não conseguia se livrar da inveja que sentia da irmã. Enquanto Poliana aos 21 anos perdera a conta dos namorados que tivera e dos que podia escolher. Ela aos 27 só tivera um, quando ainda era adolescente, que afinal acabou virando uma amizade.
Os homens até que chegavam até ela, o problema era que a viam apenas como um fetiche. Ela já estava cansada disso. Às vezes ficava se olhando no espelho e se imaginava normal, tão alta quanto à irmã. Só que sonhos têm fim e quando isso acontecia ela sofria tanto. Chorava durante horas compulsivamente. E assim toda vez que sonhava acordada em frente do espelho que herdará da avó, ela por alguns minutos sentia-se melhor, feliz e plena. O espelho tinha um metro e meio. Possuía uma moldura de madeira toda em forma de pequenos rostos de mulheres, um após o outro, cobrindo toda a moldura. Cada um deles tinha uma expressão diferente e pareciam inspirar e fazer Levena sonhar cada dia mais e mais.
A frequência dos sonhos foi se sucedendo de forma incontrolável e viciante. E nesses sonhos Levena vivia tudo que não podia no mundo real. E de tanto sonhar acordada na frente do espelho ela estranhamente começou a adentrar no mesmo quando o sonho começou estranhamente a sair de sua mente; materializando-se no reflexo do espelho em desses incontáveis dias de fuga da sua sofrida vida, isso após cada boca dos rostos da moldura soprarem uma fumaça que a cobriu por inteiro numa fração de segundos. Ela como hipnotizada entrava na cena que se desenrolava no reflexo, tal e qual como uma tela de TV ou telão de cinema. E assim Levena passou a não sair mais de casa, a não sair mais do quarto, largou a faculdade que estava prestes a concluir, largou o curso de Espanhol que fazia, língua pelo qual era apaixonada, largou os poucos amigos que tinha, largou inclusive a família, não fazia mais as refeições com os pais e os dois irmãos, não se cuidava como antes, até da higiene pessoal descuidara. Esse fato passou a preocupar a mãe da jovem, que em determinado dia entrou no quarto após ouvir o barulho de algo se quebrando. Ao abrir à porta a senhora se deparou com o espelho todo espatifado ao chão em muitos pedaços, cada um deles refletia um dos rostos da moldura, enquanto no lugar de todos os rostos que existiam na moldura apenas um único rosto era visto agora. Era o de Levena, em todos eles ela sorria, mostrando uma felicidade nunca sentida antes, quando estava do lado de fora do espelho, nisso que chamamos mundo real. No último sonho ela decidira que queria ficar sonhando pra sempre e por isso ao entrar no espelho, o quebrara, para que assim ficasse presa eternamente naquele mundo onde não existia a dura realidade que durante toda sua existência fora seu maior e cruel algoz.

 

   
Publicado no livro "Misticismo e Fanatismo no Conto Brasileiro" - Edição Especial - Fevereiro de 2015