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Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG

 

O nono mandamento

Pai de três filhas, esposo dedicado, comerciante honesto, bem apessoado. Assim era Ivan. Dedicava sua vida ao trabalho nunca se esquecendo de proporcionar à família, pelo menos uma vez por semana, um dia de diversão. Almoçavam num bom restaurante do lugar, em seguida iam ao clube onde ficavam a tarde toda em companhia de amigos desfrutando de conversas divertidas.
          Ivan, ladeado de quatro mulheres, sentia-se na obrigação de ser um perfeito cavalheiro. Só assim, pensava ele, serei capaz de manter a moral e o bom costume na família. Praticava regularmente a religião, sempre citando às filhas os dez mandamentos da lei de Deus, dizendo-lhes que para ser feliz na terra e posteriormente no céu, bastava deles não se esquecerem.
          Esta rotina durou por anos a fio. As filhas adolesceram, se tornaram adultas e cada uma seguiu seu rumo na vida. Sozinho com a esposa, já na casa dos cinquenta, começou a se inquietar com a mesmice que a vida lhe oferecia. Viu-se à procura de algo que lhe desse prazer maior, pois conversar com a esposa, ir ao cinema com ela, passar tardes intermináveis no clube com sua presença e finalmente adormecer a seu lado, não mais o satisfazia. Não que quisesse terminar com o casamento, porquanto amava a mulher e este era um sacramento para acabar somente com a morte. Sempre foi e permaneceria fiel.
          A guinada na vida de Ivan veio mais depressa do que ele esperava. Estando um dia numa roda de amigos, foi instigado por um deles, a se candidatar para deputado nas próximas eleições.
          -Prepare-se, Ivan. Você é muito popular aqui na cidade e até na região. Vamos nos unir e colocá-lo na Assembleia Legislativa. Pense nisto.
          A princípio a ideia não lhe pareceu convidativa, muito menos para a esposa que esbravejou ameaçando se separar dele, se levasse esta comédia adiante.
          Mas o comichão do sucesso atacou Ivan. Começou a ter visões de um futuro promissor, sem a monotonia que atualmente o angustiava. Ninguém podia negar que ele era bom de oratória e de lábia também.
          Desprezando o choramingo da esposa, candidatou-se. Conseguiu aliados, prometeu o que podia aos eleitores, sorriu para todos na rua, valorizou as donas de casa e as empregadas domésticas, beijou criancinhas e...ufa! Elegeu-se.
          A vida parlamentar lhe ofereceu tudo o que ele nunca tinha provado: jantares suntuosos, reuniões com pessoas importantes e muito luxo. Vez ou outra se pegava olhando com desejo para as moças que estavam sempre presentes aos eventos, se mostrando, julgava ele, cada vez que passavam desfilando em saltos altíssimos.
          Como ele era bem aparentado, agora em posição de destaque, bastava virar o sinal para o verde e se veria cercado de moças lindas e elegantes. Isto o perturbou. E os dez mandamentos? Volveu o pensamento para outros tempos e da promessa que sempre fazia de cumpri-los para sempre. Pensava na esposa e dizia consigo mesmo que jamais seria infiel.
          O jamais foi curto. Não conseguiu resistir. Começou um caso amoroso com uma de suas assessoras, que para completar, era esposa de um companheiro político. Desfiou mentalmente os dez mandamentos e se viu transgredindo o nono. Sentiu-se um tanto culpado, todavia se absolvia dizendo que isto era natural. Todo mundo fazia igual e nem por isso era condenado.
          O tempo passou tão depressa que Ivan, envolto até à alma com o novo amor, não percebia as mudanças que ocorriam à sua volta. Sua esposa já desconfiada do comportamento duvidoso do marido se deprimiu e não é que o mandato já estava por terminar? Como estes quatro anos passaram depressa! Nem deu para realizar tantas obras assim.
          Candidatou-se novamente. Perdeu. Não só a eleição como também a amante, que a esta altura dos acontecimentos preferiu ficar com o marido, agora um político bem posicionado.
          De volta para o lar com a esposa, Ivan quis retomar sua antiga vida. Reabriu o ponto comercial. A mesmice recomeçou. Quando lhe falavam sobre política, desconversava. Dizia consigo mesmo que fora ela a culpada dele não cumprir o nono mandamento. Nestas horas repetia: - serei fiel para sempre.
          O que não se sabe é se o seu “para sempre” é tão curto quanto o seu “jamais”.

 

   
Publicado no livro "Misticismo e Fanatismo no Conto Brasileiro" - Edição Especial - Fevereiro de 2015