Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA

 

 

Conta-se muito...

 

 

Conta-se que para viver é preciso sentir a vida e sobre ela escrever. Daí a importância dos livros, dos escritores, dos pensadores, dos pescadores de talentos e dos escavadores do saber. Sem eles, a paralisia tomaria conta da vida e o caos petrificaria a subjetividade humana. A escrita é a pilastra que mantém a vida em contínuo movimento. A quem viva fora deste contexto, acredite! A quem escolha outros caminhos longe da saborosa angústia que a leitura desperta por meio da escrita desbravadora de sentidos...
Conta-se que quem canta, os males espantam e para viver é preciso saber cantar a própria vida. Sem som e ritmo a monotonia depressa tomaria conta dos homens e todos nós adoeceríamos de um mal causado pela ausência de som. Assim, sem música, o mundo perderia seu encanto e uma grande catástrofe seria inevitável, pois viver seria impossível num mundo sem música. A música distrai, cria espaços imaginários em nossa mente, desbravando os nossos sentidos...
Conta-se que só por meio da linguagem e do pensamento a vida pode existir e que a experiência obtida por cada humano forma um todo que reproduz numa forma única de ser a humanidade. Assim, sem percebermos, sem termos consciência, acabamos por pensar individualmente por meio de uma força coletiva e sociavelmente compartilhada. Quem pensar que é dono de seus próprios pensamentos está totalmente enganado, pois somos uma concatenação de ideias que acaba por fazer parte do pensamento oceânico. E como rios e lagos, despejamos nossas águas nessa infinita fonte oceânica, de contínuos sonhos, prazeres e realizações...
Conta-se que a magia da vida está no que pensamos que acreditamos. Daí que jamais haverá uma harmonia entre os seres humanos, porque somos feitos de um tecido que emerge da contradição e da oposição. Estamos sempre contra alguém que discorde de nossa ideologia, e nem percebemos que somos preconceituosos quando assim agimos. Entretanto, não existem pessoas que aceitem outras pessoas do jeito como elas são. Fingimos que aceitamos para evitar conflitos, em vários contextos da vida. Ao fazermos isso, às vezes, inconscientemente, estamos também vivendo um conflito em nosso mundo interior porque é no “dentro” que o conflito habita, criando dificuldades e problematizando nosso “eu” que aceita o outro, num indesejado silêncio. No fundo, o poeta Fernando Pessoa está certo quando afirma que: “O poeta é um fingidor./Finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente.”
            Conta-se que a vida imita a arte e que sem ficção ela perderia o seu peculiar sentido de existência. Daí a necessidade de, antes de falarmos, sermos tocados por um simbólico imaginário e fictício que potencializa nosso discurso, tornando-nos eternos amantes da precariedade e da incompletude, numa busca desenfreada por algo que se perde em cada objetivo realizado. Construímos várias casas de semânticas paragens, fingimos ser o que não somos, amamos pessoas que, certamente, não nos amam, sentimos o que não deveríamos sentir, agimos às cegas usando óculos para apontar no outro nossos defeitos. Exigimos o que não devíamos exigir: faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço. Pronunciamos palavras que não devíamos pronunciar. Escutamos o que não gostaríamos de escutar. Imaginamos e nos perdemos em nossa própria imaginação. E, de repente, descobrimos que erramos quando menos deveríamos errar, pois não existe espelho que possa fazer qualquer ajuste, reajuste ou arranjo na imagem que criamos, numa representação irrepresentável de nossos desejos. Tornamo-nos inválidos na validez do tempo que nos cobra, persegue-nos, devora-nos. Mas, como o poeta português diz: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. E se as almas não se ajustam na medida certa de suas buscas, corre-se o risco de tudo se perder na pequenez forma humana de ser.
Conta-se muito. Escreve-se muito. Poetiza-se bastante. Desconstrói-se o construído no abrir e fechar de olhos... Mudam-se os tempos, os tons, as formas, os sons, as músicas, as épocas, mas vive-se pouco porque o homem ainda não aprendeu a ser infinito, dentro de sua efêmera e finita travessia.

(À amiga Solange que fez da vida uma norma de regras gramaticais a serem apreendidas!)

 

 

 

 
Poema publicado no livro "Mutretas, Xavecos e Pilantragens" - Contos - Janeiro de 2018