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Fernando de Castro Dutra
Brasília / DF

 

Amor além da morte

Alguns amores parecem transcender o mistério da morte. Esta é a história de um desses amores.
Eu conheci Danilo em um dos dias mais frios do último inverno. Sua presença surgiu a mim, assim como a última vez que o vi, repentinamente. Eu desci as escadas do metrô correndo, pois eu estava atrasada e o trem já se aproximava. Mas ao me aproximar da faixa amarela, fui surpreendida por um voo rasante de um pombo e, como estava distraída, fiquei assustada e me desiquilibrei em direção à passagem do trem. De súbito, fui segurada pelo braço, por um homem de olhos penetrantes. Juro que, até aquele momento, não o havia visto em lugar algum. Ele me puxou para os seus braços e eu, ainda assustada, só conseguia me fixar naqueles olhos azuis.
– Ainda bem que eu estava aqui para te salvar – disse ele, ironicamente, soltando meus braços.
Sem que eu percebesse, o metrô já havia parado e já dava o aviso sonoro para acionar as portas. Rapidamente, adentrei e ele permaneceu no mesmo local, imóvel, mas com o mesmo olhar penetrante.
– Obrigada! – Sussurrei ao movimento do trem.
Os dias se passaram e aquele rapaz não me saia da cabeça. Apesar de meus vinte e cinco anos, sentia-me uma adolescente, apaixonada. Como dizem, amor à primeira vista. Sempre que ia para o trabalho, chegava mais cedo à Estação, mas nada. Nenhum sinal do misterioso rapaz. Cheguei a pensar que ele não existia, que era fruto de minha imaginação, uma alucinação, até um dia em que voltava do trabalho...
Era uma noite fria, como o dia em que o conheci. A Estação estava vazia. Subi as escadas e a deixei rapidamente. Mais adiante, fui surpreendida por dois bandidos que se aproximaram, sorrateiramente, encostando-me uma faca nas costas e obrigando-me a acompanha-los a uma rua escura. Fiquei sem reação, tentava gritar, mas minha voz não saía. Parecia que eu estava em um sonho, um pesadelo, onde não possuía forças suficientes para reação alguma.
Foi então que surgiu uma voz na escuridão...
– Ei! Soltem-na! Socorro! Alguém chame a polícia!
Não que houvesse alguém, naquele momento, para me socorrer ou chamar a polícia, mas aquelas palavras foram suficientes para aqueles homens correrem para longe dali.
Foi então que vi, novamente, aqueles olhos penetrantes.
– Você, de novo? Parece que minha vida, agora, é tirar você de enrascadas, não é mesmo?
Mas não liguei para sua brincadeira. Corri e o abracei, chorando e lhe agradecendo.
– Calma. Está tudo bem. Porque não vamos a algum lugar para tomar um café?
 – Sim, pode ser – respondi. – Não o deixaria mais partir, pelo menos não sem antes saber seu nome.
– Danilo – ele disse.
– Como?
– Meu nome. Eu me chamo Danilo. Você não queria saber?
– Ah, sim. – Ele parecia ler meus pensamentos. – E eu me chamo Sandra.
– Muito prazer, Sandra.
Naquela noite, conversamos por pouco tempo, mas o suficiente para eu saber que Danilo seria meu verdadeiro amor.
Meses se passaram e, como uma rosa, nosso amor floresceu. E na intimidade de nossos corpos entrelaçados, amamo-nos em uma comunhão de almas.
Mas um dia, quando Danilo me aguardava, próximo à Estação, um motorista alcoolizado invadiu a calçada e tirou sua vida, violentamente. Meu coração se partiu, sem que eu nem pudesse me despedir ou lhe dar um último abraço, um beijo ou tocar sua face. O brilho de seus olhos se apagara, para sempre...
A dor de perder meu querido amor fora profunda, assim como a tristeza que me tomou, trazida por minhas lágrimas e pelo luto. Certamente, eu morreria não fosse pelo fato de encontrar uma carta de Danilo, quando separava alguns de seus objetos pessoais para doação, que ele escreveu para Deus, datada do dia em que nos conhecemos na Estação:
Querido Deus,
Escrevo-Lhe esta carta para fazer as pazes com o Senhor, pois, o meu coração estava triste e amargurado. Eu havia perdido o prazer pela vida e estava disposto a deixa-la.
Hoje... Eu me jogaria, com certeza, para debaixo daquele trem. Minha arrogância e egoísmo me tornaram cego e eu não pude perceber a beleza da vida. Mas o Senhor foi além de minha pequenez e de meus pecados, colocando em meu caminho uma linda garota, pela qual eu me apaixonei. Ela me agradeceu por salvar a vida dela, mas acho que sou eu quem deveria agradecer, não é mesmo? Com seu olhar, ela me resgatou das profundezas de mim mesmo e nossas almas se encontraram.
Pareço meio confuso, eu sei, mas eu Te agradeço por me dar outra chance e Lhe peço para encontra-la novamente e que, de hoje em diante, se for para eu perder a minha vida, que seja para salvar a dela.
 Danilo.
Aquela carta partira meu coração. Mas eu havia ganhado forças para seguir em frente. Agora, mais do que nunca, deveria lutar pela vida.
É engraçado como o tempo realmente é capaz de diminuir nosso sofrimento, de apagar certas coisas e de cicatrizar feridas. Mas mesmo depois de três anos, sua morte parecia recente para mim. E sua presença era tão intensa que decidi aproveitar as férias para fazer uma viagem à Argentina, para esquiar. Naquela noite em que conversamos pela primeira vez, Danilo havia me dito que seu sonho era sentir a liberdade de esquiar na neve, fechando os olhos e abrindo os braços diante da montanha, sentindo o ar gélido sobre a face.
Ao chegar sobre a montanha branca e gelada, confesso que senti um pouco de medo, por estar sozinha e por nunca ter feito aquilo antes. Mas os instrutores eram bem atenciosos e eu aprendi rápido. No segundo dia, já descia a montanha sozinha. Não havia muita gente, assim eu me sentia mais segura para não trombar com ninguém. No terceiro dia já me sentia uma profissional, mas como eu partiria no dia seguinte e o Sol se poria em uma hora, resolvi prestar uma última homenagem a Danilo.
– Por você, meu amor – disse eu, olhando do alto da montanha e de lá me impulsionei. Fechei os olhos e, lentamente, abri meus braços ao céu, equilibrando-me somente com os esquis.
A sensação foi de paz e liberdade. Na mente, a lembrança do rosto de Danilo com seu olhar penetrante e seu lindo sorriso. Os sentimentos, o toque do vento frio na face, tudo era como ele havia imaginado. Isso era vida...
Engraçado eu ter pensado nisso, porque exatamente nesse momento, fui surpreendida por uma enorme avalanche que veio, sabe-se lá de onde, e me levou para debaixo de quilos de neve, onde permaneci soterrada. Eu estava zonza, não conseguia me mover, nem sabia onde me encontrava. Perto de mim havia se formado uma cavidade com ar. Não sei quanto tempo duraria, pois eu podia ver farelos de neve se desprendendo, mas eu conseguia respirar. Naquele momento, acho que não tinha mais esperanças, mas não estava com medo. Finalmente, reencontraria meu grande amor.
O tempo parecia uma eternidade. Sentia muito frio e meu rosto parecia queimar. Além de abrir e fechar os olhos, minha língua era a única coisa que eu conseguia mexer, então pude colocar um pouco de neve na boca para matar a sede. Minhas pernas doíam e o resto de meu corpo estava dormente. Aos poucos, minhas pálpebras se tornaram mais pesadas e não pude mais manter meus sentidos. Adormeci. Não estava mais soterrada. Senti-me sugada para uma luz que brilhava tão intensamente, que podia sentir sua energia. De repente, percebi uma presença vinda ao meu encontro. Reconheci a silhueta. Era Danilo. Ele veio sorrindo e, suavemente, beijou meus lábios. Depois, disse:
– Eu estou aqui para te salvar. Volte! E leve consigo o meu amor...
Nesse momento, acordei diante de paramédicos que faziam minha ressuscitação...
– Você teve sorte, moça – disse um deles, cobrindo-me com um daqueles cobertores térmicos. Você foi a única, até agora, a ser encontrada após a avalanche. Não fosse por aquele rapaz que nos indicou sua localização exata, não teríamos te encontrado.
– De que rapaz está falando – perguntei, olhando para os lados.
– Daquele ali... – apontou para o lado, mas não havia mais ninguém.
– Onde será que ele está? – perguntou outro ajudante. – Ele é o herói da noite.
Eu sabia quem era o rapaz. Danilo havia me salvado mais uma vez. Se ele ainda estivesse entre nós, diria que a vida dele era me tirar de enrascadas. De fato, passou a ser no dia em que nos encontramos na Estação. E a lembrança do calor de suas mãos ao segurar as minhas, ao me acariciar com o toque de sua pele, jamais seria esquecida, pois sua memória estaria sempre viva em meu coração...

 



 
 
Conto publicado no livro "Nossos casos, nossos causos" - Edição Especial - Setembro de 2015