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Adriano de Jesus Santos
Guarapari / ES

 

A Cidade do Porto

 

Tudo é muito antigo, de um tempo tão distante, que quando ali estou, penso nos meus trisavós que tão confiantes chegaram em navio de bandeira portuguesa buscando novos horizontes. O porto atualmente é um monumento histórico tombado há algumas décadas e que teve uma ampla importância no desenvolvimento da região.
Li em um jornal de época que alguns chamavam o local de porta para a felicidade em referência a tudo o que se ouvia, maravilhas que em mentes brilhantes eram materializadas utopicamente. O Brasil já era o país do futuro. Futuro que nunca chegou para muitos daqueles que tantas expectativas criaram. Povo que partindo do primeiro píer de madeira ergueu aquela cidade. Lembranças de vidas ao longo de muitas décadas em torno daquele ambiente que uniu mundos distintos. Ali, histórias continuaram e outras se iniciaram a partir da necessidade de cada uma daquelas almas carentes de boas sortes.
Foram tais histórias que fizeram daquele porto um local ainda mais famoso do que seria se fosse apenas pelo seu valor histórico e econômico. Cenário de enredos de variadas manifestações artísticas que ganharam várias praças do país e conquistaram públicos em outros continentes. Consagração de autores, atores, pintores e diretores de cinema, aproveitadores de sonhos alheios e de suas habilidades pessoais. Aquele porto ganhou o mundo.
A obra de Rian obteve notoriedade. Costumava ficar à sombra de uma árvore onde montou um acanhado local de trabalho. Seu robi era fazer esculturas dos materiais que encontrava jogados pelas ruas. Durante um ano de sua vida ele talhou em madeira uma maquete daquele porto. Obra de três metros quadrados onde foi retratado o passado e o presente. Detalhista até mesmo nos aspectos físicos de todos os migrantes e imigrantes, a maquete desperta para a história, para a dinâmica do espaço geográfico e aguça imaginações de todos os que sempre esperam por um ambiente melhor.
Juliano montou uma peça teatral para auxiliar a aprendizagem dos alunos de uma escola onde semanalmente oferecia uma oficina de dramaturgia. Empolgou-se tanto com a história que se dedicou nela por mais algumas semanas, e aquela obra primeiramente apresentada aos pais e convidados na quadra de esportes da mesma escola, conquistou o público desde sua primeira encenação. Era a história comovente de uma família formada nos arredores do porto, inicialmente com carências de vários tipos e que ao longo dos anos experimentou diversas situações em um turbilhão de conquistas, sucessos e fracassos que marcaram os indivíduos daquele clã. Tendo como cenário as paisagens do porto e as pessoas que faziam parte dela, a peça chegou até a maior companhia de teatro do país e nos anos seguintes foi adaptada ao cinema e ganhou prêmios nacionais e internacionais.
Novos intelectuais surgiram, representavam a cidade das mais variadas formas e sentidos. A Cidade do Porto ganhava fama, tornava-se ponto turístico, enchia de orgulho aquele povo que se diversificava e se expandia a medida em que as pessoas iam chegando dos mais variados lugares. Empresas de grande porte eram instaladas e o desenvolvimento econômico potencializava a revolução em processo. A Cidade do Porto que saiu daquele velho píer de madeira só voltava lá para contemplar o pôr do sol e fazer atividades físicas ao longo daquela calçada modernamente urbanizada.
Sonhos de gerações atuais que se concretizam nas gerações seguintes. A Cidade do Porto foi transformada em uma cidade de muitas coisas. Um dinamismo que também deixa espaço para mazelas que atenta contra a segurança e a dignidade de tantas pessoas de bem. Nada que possa arranhar sua história e nem impedir a continuação do progresso, projeto coletivo inconscientemente iniciado desde aqueles primeiros anos. Um projeto que por mais trabalhado que esteja sempre será inacabado. Uma obra de arte cuja perfeição depende de habilidades individuais nos diversos aspectos da vida humana. Disso a Cidade do Porto não tem de que se queixar, tanto progresso em tão pouco tempo foi fruto de políticos competentes e comprometidos com o bem público, de artistas que encontraram ali mesmo uma ótima fonte de inspiração, de cidadãos incorruptíveis que encontraram no trabalho uma forma de conquistar seus objetivos dos mais modestos aos mais audaciosos, de pessoas que mesmo com seus sonhos individuais se entusiasmam com a busca pelo bem comum e o progresso da cidade onde vivem.
E a Cidade do Porto segue seu curso na história. Percebo a satisfação no semblante de seus habitantes ao passar por eles e receber cumprimentos de todos os que se lembram do período em que estive comandando o Poder Executivo e dos muitos anos em que representei a cidade na Assembleia Legislativa. Foi a experiência mais marcante de minha vida, servir a um povo com esse nível de maturidade política e de consciência cidadã. Tanto progresso, certamente não foi por acaso. Foi consequência de condutas individuais e coletivas, acessíveis a qualquer povo. Condutas que vêm de berço e fazem parte do projeto de uma sociedade mais justa e fraterna abraçado por todos como se fizesse parte de suas próprias vidas.

 

 
 
Conto publicado no livro "A Noite das Garrafadas " - Janeiro de 2016