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Otaviano Maciel de Alencar Filho
Fortaleza / CE

 

Águas passadas

Há anos não se registrava um período de estiagem tão longo, tal qual o que estamos vivenciando atualmente no Brasil. No ano que se inicia, ocorre o centenário de uma das maiores secas que o nordeste brasileiro já enfrentou: A seca verificada no início do século XX, mais precisamente no ano de mil novecentos e quinze, e que ficou conhecida como a “Seca do XV”. De lá para cá políticas públicas de combate aos longos períodos sem precipitação pluviométrica foram implantadas, sem, contudo, surtirem efeitos duradouros e desejados. As mudanças e as melhorias alcançadas visaram, apenas, amenizar o sofrimento do povo que habita os locais tórridos, sofridos pela ação causticante do sol. Nunca houve a preocupação de sanar definitivamente esta situação. Os governos, visando tão somente o viés político interesseiro, aliado a expansão capitalista, executada de forma equivocada, tendo como finalidade última a obtenção de lucros, baseada na ”lei” da demanda e da oferta, situaram cada vez mais a população numa posição subalterna às exigências econômicas do mercado.

A indústria da seca, por muitas décadas, teve o seu ”livre mercado” estabelecido à custa do sofrimento de milhares de nordestinos. 

As regiões nordeste e sudeste, esta última, que historicamente não tem registrado problemas com a seca, desta feita, são as mais afetadas pela escassez de chuvas que insiste em castigar o solo, fazendo com que a terra se torne cada vez mais árida, provocando a diminuição nos níveis de água nos reservatórios que compõem o sistema de abastecimento de água de estados como: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais que compõem o maior parque industrial brasileiro. Vemos hoje os setores políticos preocupados com uma possível recessão na economia, provocada pela falta deste precioso líquido que tem papel preponderante na economia da nação, caso não venha a chover satisfatoriamente nas cabeceiras dos rios que abastecem o conjunto de lagos e lagoas responsáveis pelo provimento de água nas regiões afetadas.

A população aumentou, e com ela um crescimento das necessidades humanas. Em contra partida os recursos naturais são escassos e limitados e estes fatores não têm sido levado em consideração por grande parte da população. Porém as técnicas de captação, produção, uso, armazenamento, transporte e manipulação deste bem de consumo, aliada ao desenvolvimento sustentável alcançaram um patamar que não justifica um provável racionamento de água a se enfrentar nos próximos anos, segundo previsões de alguns especialistas no assunto. As políticas públicas, relativas ao abastecimento de água, desdenharam as prospecções indicadas pelos órgãos responsáveis pela meteorologia e monitoração dos recursos hídricos.

Foi-se o tempo em que as pessoas, habitantes dos grandes centros urbanos, não tinham preocupação mais severa em relação ao uso e consumo inadequado da água.  Muitos acreditavam que “seca” era problema de nordestino, e talvez por isso, ainda, não se deram conta de que se faz urgente uma mudança de postura cultural em relação ao crescente desperdício de água tratada, pois a cada dia que se passa rios, lagoas, lençóis freáticos estão sendo contaminados, deixando a água doce imprópria para o consumo, ficando, nós, cidadãos, dependentes de indústrias que comercializam água engarrafada, vendendo-a a preço de ouro e que proliferam, tais quais bactérias, por todo o território nacional.

Não devemos compactuar, ainda que inconscientemente, com um sistema comercial escravagista nefasto que despreza elementares conceitos de moral e ética.

Nossa cidadania deve ser exercida cumprindo nossos deveres e reivindicando nossos direitos, junto àqueles que elegemos para estarem na direção- mor de nosso país.

Simples ações cotidianas como deixar o registro aberto enquanto se lava o carro ou a calçada, tomar banho demorado, escovar os dentes deixando a torneira vazar água, etc. são suficientes para agravarem cada vez mais a situação que ora estamos vivenciando. Contudo, essas medidas em nada surtirão efeitos se os grandes grupos agroindustriais não fizerem sua parte, afinal, este é um dos setores da economia que mais desperdiça água nos processos produtivos. Um antigo adágio popular apregoa que “de grão em grão a galinha enche o papo”, no caso em questão caberia este: “com a torneira aberta pingando, um dia por água estaremos mendigando”.

Nossos netos, bisnetos, enfim, toda a geração que nos sucederá não poderá ser penalizada por um erro que venhamos a cometer no presente.

Seria um pesadelo, se no futuro, durante um trabalho árduo, na rua, sob um sol escaldante, na busca do sustento da família, o catador de matéria prima para reciclagem, exausto e sequioso, tivesse de pagar por um copo de água, de vez que o líquido se tornara raro e precioso, de valor extremamente alto. Então não veríamos mais gestos de solidariedade destacados em uma conversa fraternal entre duas pessoas:

- Senhor, aceita um copo de água?

- Sim, muito obrigado!

O discurso amistoso e cordial, não seria mais possível e talvez ensejasse um detestável colóquio, do tipo:

- O senhor poderia arranjar-me um copo de água, por favor?

- O senhor... Tem como pagar?

 

   
Publicado no livro "Nó em pingo d'àgua" - Edição Especial - Abril de 2015