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Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA

 

O retorno

Ele, João Paulo Marcos Tiago Tadeu de Oliveira, filho de pedreiro e lavadeira, morador dessas ruas criadoras de violência e solidão, sempre, desde sua adolescência, fora acometido por um imenso desejo. Um sonho que passou a fazer parte de seu cotidiano, de sua vida. Seus pais trabalhavam arduamente para tirar-lhe das ruas, mas não conseguiram. Acabaram aceitando a escolha do filho em ser um aventureiro da vida.
João, Paulo, Marcos, Tiago, Tadeu ou Oliveira saiu de casa com apenas dez anos, passando a morar no mundo com o objetivo de sentir as ruas, o tempo, o espaço, a vida sentida totalmente, fora dos padrões e das exigências de regras familiares e sociais, imposições burguesas que aprisionam a alma, pensava o guerreiro jovem.
Dos dez aos 18 anos, o jovem caminhava de cidade a cidade, de rua a rua, conversando com o mundo, sentindo as pessoas, os lugares, a vida, sem nenhum centavo no bolso, apenas a sua determinação. O sonho que assaltava seu corpo e libertava a sua alma das paredes incrédulas formado por emperdenidos discursos de homens e mulheres que se sentem bem em seus mundos herméticos e centralizados.
Joãozinho. Assim ele era chamado por seus pais. Mas Joãozinho esteve longe demais para voltar atrás. Sentia muita saudade de seus amados pais, mas precisava ir adiante, cumprir sua cina, olhar para o horizonte do tempo e do espaço que acolhe os homens temporais, deslizando sobre suas arestas, margens, descentros clandestinos, becos, ruelas, desvios. Mas o guerreiro jovem nunca fez a vontade de grupos dos quais ele participava. Conheceu vários e vários conjuntos de destroços humanos, vítimas da cobiça de outros homens, mas nunca seguiu seus princípios, pois ele não gostava de seguir regras. Nunca bebeu ou fumou qualquer tipo de droga, pois o seu sonho era a bebida e a droga que lhe consumia seu juízo e alma. Sentia uma imensa vontade de estar estando, partir partindo, viver vivendo, voar voando, deslizar deslizando, e não se adaptava a nenhum lugar, a nenhuma condição humanamente estabelecida, a nenhum discurso ou formação ideologicamente imposta por alguém, a nenhuma identificação ou pertença.
Às vezes parava pra pensar na sua antiga vida e não suportava ter que, através da memória, sentir ausência de algo. Sua determinação era maior. Depois de alguns anos de estrada liquidamente percorrida, constatou que era preciso caminhar um pouco mais rápido. Decidiu conhecer outros países, e de uma forma inusitada, conheceu várias partes do mundo, através de sua forte potência de querer querendo, de ter tendo, de partir partindo.
Pelos lugares por onde andava, conheceu homens, mulheres, crainças, idosos, mas ninguém parecido com ele. Sentia-se feliz por não carregar consigo nenhuma aparência de exílado, pois ele jamais se sentiu exilado em lugar nenhum. Não havia em seu mundo interior nenhuma semântica aplicada para este sígno. Sua determinação impusera-lhe sentir a potência das águas, do ar, do vento, do tempo, do cosmo sentimento de ser um homem impulsionado pela força de um grande desejo: de viver a vida em seus limites existenciais e globais.
Fora agraciado por um forte corpo, pois uma mente tão especial necessitaria de um corpo que dificilmente sobrecarregasse pela potência do tempo que dissolve os homens em suas estabelecidas vidas. Joãozinho conheceu várias culturas, mas de nenhuma se aproximou, pois tinha aversão a qualquer domínio ideológico, mesmo sabendo que tudo gira em torno de ideias, pois ele se sentia uma ideia que precisava ser decifrada por ele mesmo, um fugidio pensamento disperso do comum aconchego humano, uma ideia desgarrada e desprovida de pertencimento e representação cutural. Era, sem dúvida, um jovem que sentia o mundo de uma forma desprovida de sentidos construídos, sentia-se atraído pelos deslizes, escapes e escorregos do prórpio sentido. Era, agora, um homem. Já não tinha mais nem 10 nem 18 anos. Estava adentrando seus 30 anos, e sentia-se como uma tempestade a acontecer. Mas a ninguém ele contava a idade, apenas a este silencioso narrador, que por ora se sente “embriagado” em narrar a história, em Salvador, de seu quarto de estudo, no bairro da Federação, em pleno eco de carnaval que anuncia a sua chegada, prometendo colocar em um só lugar homens e mulheres de tantos outros mil lugares deste mundo de bêbados e alucinados sonhos. Mas o carnaval acabará, e a história do guerreiro Joãozinho ou Tiago, Tadeu, Oliveira, e Tal e Tal, não tem hora pra acabar, pois o que move o homem são os seus sonhos. E senti-los sendo realizados é um prazer que não tem preço.
O jovem menino homem amadurecido pelas portas e janelas do grande céu azul caminhava sem rumo, em direção ao transcendente desejo de ir adiante sempre... Conheceu belas mulheres, mas a nenhuma delas se entregou, porque sua maior paixão estava dentro de si, pedindo passagem constantemente, uma força incontrolável de seguir em frente, sem olhar para trás, partir partindo...
Até que um dia, encontrou alguém da época de menino que jogava gude nas ruas, perto da aconchegante residência de seus pais, e ele lhe disse que seu pai havia falecido, e que sua mãe estava muito doente, achando que seu pobre João o mundo o matou. Neste momento, João sentiu pela primeira vez o sentimento de pertença que ele havia abandonado há tanto tempo atrás. Algo lhe mexeu na alma, no corpo e na mente. O desejo de ver a sua mãe, de falar para ela o quanto ele a ama foi mais forte do que a potente força que lhe distanciara para tão longe de seus finos fios ancestrais.
Voltou. Não como filho pródigo, arrependido, maltratado e desiludido. Foi numa noite clara, onde a lua beijava a ponta do mar sorridente, levando consigo apenas uma flor para dar àquela que ele deixou para trás para seguir o seu sonho. Ao vê-lo, sua mãe quase desmaiou de tanta alegria e assim se expressou:
– Filho querido, saiba que a sua presença me trouxe muita alegria e vida. Achava que o mundo havia lhe consumido e o tirado para sempre de mim, mas sinto que, como sua mãe o conhece muito bem, pois, eu também vivi esta sua mesma experiência antes de conhecer seu pai. Você apenas repetiu a minha história.
O filho derramou lágrimas acumuladas por todos esses anos, e abraçou a sua mãe e a beijou com muita satisfação, reconhecendo que tudo gira em torno de uma experiência de vida, e que tudo se repete, mesmo como “um outro”, como bem diz o filósofo Gillis Deleuze, ou como bem afirma Nietzsche acerca do “eterno retorno”. Estamos sempre repetindo nas margens da diferença nossas histórias, e o retorno vem a galope, trazendo consigo a fonte de vida que dá sentido às coisas que nos cercam – nossas experiências –, formando “diamantes de cristais” amadurecidos pelo tempo e entregue ao nobre espaço de profundas reflexões.

 

   
Publicado no livro "Nó em pingo d'àgua" - Edição Especial - Abril de 2015