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Rozelene Furtado de Lima

 

A doce tia Dulcinha

 

Dizem que o primeiro filho é o que mais sofre, pois a inexperiência dos pais faz com que a criança passe por muitos perrengues. Foram sete meninas e um menino. Dulcinha sendo a primeira já foi crescendo com obrigações, principalmente cuidar dos irmãos menores. Ela tinha um temperamento dócil, serviçal e boazinha. Coitados dos bonzinhos! São sempre sobrecarregados porque são obedientes e ela sempre ouvia: “pede a Dulcinha que ela faz, manda Dulcinha que ela vai, chama Dulcinha ela é muito boazinha”. Aprendeu muito cedo a cozinhar, lavar e passar roupa muito bem, arrumar e limpar a casa. Era a primeira a levantar e só dormia depois que os irmãos estivessem acomodados.
      O dinheiro era pouco e os pais resolveram empregá-la como doméstica para melhorar a renda familiar. E a patroa depois de um mês de trabalho da Dulcinha, veio fazer o pagamento aos pais dela e comentou: - “ela é muito boazinha e trabalhadeira”. E Dulcinha não pensava, só trabalhava e obedecia. E tinha sempre um “sim senhora” acompanhado de um discreto sorriso. Apareceu uma patroa que pagava mais e levaria Dulcinha para trabalhar na cidade grande. A família gostava de Dulcinha pela bondade dela e não se importava se não dava tempo para ela ir à escola aprender a ler, ou pelo menos, conhecer os algarismos. Afinal ela era muito boazinha!
      Certo dia o zelador do prédio perguntou quanto ela ganhava e ela falou para ele o seu salário. - Você quer ganhar cinco vezes mais? Perguntou ele a Dulcinha, ela com brilho nos olhos disse que sim. E ele levou-a ao oitavo andar, tocou a campainha do apartamento e uma japonesa veio atendê-los. Ela falava mal a nossa língua, mas entendeu que era uma candidata ao emprego de doméstica. Perguntou: - pode começar amanhã? – Dulcinha avisou a patroa que ia trabalhar em outra casa e explicou que precisava de dinheiro para ajudar a criar os irmãos menores. A nova patroa, a japonesa, ficou encantada com Dulcinha e foi ensinando como servir aos japoneses, deu roupas e muitos outros presentes e todo mês deixava Dulcinha ir visitar a família e sempre mandava muita coisa para os irmãozinhos dela. E ensinou também que ela nunca deveria entregar todo o dinheiro para a família, levou-a um Banco, ajudou-a abrir uma poupança e ensinou-a a depositar. E em pouco tempo ela já tinha boas economias. Contratou uma pessoa para ensinar Dulcinha a ler e conhecer um pouco de matemática.
Foi nesse momento que ela conheceu Zépire. Encontrou-o no domingo na praça perto de casa, nessas alturas ela já tinha feito algumas amizades, mas nunca tinha namorado.  Ele se aproximou dela, ela gostou dele, e começou um namoro. De vez em quando ela emprestava algum dinheiro a ele para construir uma casa para eles morarem quando casassem. E ele dizia que assim que a obra estivesse pronta levaria a amada para ver que lindeza estava a casinha. Dulcinha passou a dar bem menos dinheiro em casa e começou a comprar eletrodomésticos para nova casa que o namorado estava construindo. Dulcinha estava feliz. O amado só aparecia de quinze em quinze dias para não gastar o dinheiro. Eles se encontravam na mesma praça, ela fazia deliciosos biscoitinhos de polvilho, amassava um pão com linguiça e comprava duas garrafinhas de guaraná e partia para o encontro. Ficavam o tempo necessário para lancharem juntos e ela passar mais dinheiro para ele.
       Ela aprendeu a gostar de samba e de carnaval, e sentia o coração batucar e a alma sambar quando era dia de encontrar seu amado.
O quarto dela na casa da patroa não cabia mais nada, ela já tinha de tudo até aparelho de jantar. Ah! Se eles tinham um relacionamento mais íntimo? Claro que não. Ela era muito boazinha, mas intimidades só depois de casada.
       A patroa teria que voltar para o Japão e queria levá-la para aquele país tão distante e tão diferente. Mas ela não deixaria de jeito nenhum o Zépire, o grande amor de sua vida. A patroa antes de viajar quis conhecer o Zépire, Dulcinha marcou o encontro no apartamento da patroa, mas ele não apareceu. Então a patroa aconselhou a Dulcinha marcar um encontro na praça e não falar nada que ela iria conhecê-lo de longe. Ele foi ao encontro e deu uma desculpa de não ter podido ir conhecer a patroa dela. Quando ele se despediu de Dulcinha, a patroa pegou um táxi com a empregada seguiram o ônibus que ele entrou. E elas foram seguindo até que ele saltou e foi para uma casa à beira da estrada. No dia seguinte pela manhã, a patroa que gostava muito de Dulcinha, que já trabalhava para ela há quase dez anos e namorava esse mesmo tempo. Foram até a casa de Zépire. Bateram palmas, veio uma senhora simpática, gorda, pachorrenta então a patroa ofereceu um convite para ela ir a uma palestra e teria que responder a umas perguntas. Nome:- Mariinha. - Casada? Sim. - Nome do marido. – Zépire.  - Filhos?   - São quatro filhos que agora estão no colégio.  Dulcinha ficou verde, faltou bateria, faltou batuque, faltou voz e não podia entender o que estava acontecendo, a senhora vendo que ela estava passando mal, convidou-as para entrar e tomar um cafezinho e elas aceitaram. Uma casa bem arrumada e bem mobiliada. E todos os eletrodomésticos que Dulcinha comprara e dava para ele guardar estavam na casa. Ela tomou um copo com água e saiu. Não chorou, não quis falar com ele, não sambou mais e nem o coração batucou. E o pior... Ele passava sempre a noite de Natal na casa da família dela e todos gostavam muito do Zépire. Ele dizia que era sozinho, não tinha ninguém no mundo.
      Toda mulher ingênua atrai um espertalhão, e quando ela descobre que foi enganada ainda se sente culpada.
      Chegando a casa Dulcinha quebrou todos os pires do lindo conjunto de chá e de café, juntou os cacos, marcou um encontro com Zépire e entregou a ele um pacote pesado dizendo que era o resto do dinheiro para terminar a casa.
        Passado um mês a família de Dulcinha recebeu um postal do Japão.

 

 

 
 
Conto publicado no "Livro de Ouro do Conto Brasileiro" - Junho de 2016