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Rubens Alves Ferreira
Taguatinga / DF

Cadeia falimentar

Nas férias escolares juntavam-se em Planaltina - DF, familiares e amigos comuns de Brasília e cidades goianas do entorno. José Oxó e seus irmãos, todos Dourado Nunes: Vilson, Pérsio e Juvêncio. Dos irmãos o Zé era o único que levava Oxóssi no nome – tinha olhos claros; “moreno, alto; bonito e sensual” –, belo, como ele imaginava ser. Nós outros... coitados!!! Éramos normais até onde alcança a boa vontade –.  Entre seus sobrinhos, o Plínio, o Benício, o Roni, o Nelson, o Jurandir, o Sérgio, o Wendel e outros, pirralhos. Nos reuníamos pelas manhãs, tardes ou noites (quem já trabalhava) para partidas de futebol de quadra ou de várzea, jogar cartas, tênis de mesa... e conversa fora.
Graças à boa falta de tecnologia digital e midiática no mundo, desde criança tomei gosto pela leitura (nossas estórias datam da segunda metade da década de setenta do século XX até os dias atuais). Nessa época “bullying” era comportamento comum; assim, certa vez, em uma roda de conversa, comentei alguma coisa sobre o sorriso de Mona Lisa de “Da Vinci”. Para que? O Oxó riu na minha cara e para quem quisesse ouvir, disse que eu me deslumbraria se um macaco jogasse tinta na parede. Visionário.
Zé Oxó e seu pessoal gostava de fazer piadas, gozação e como se diz, tirar um “sarro” com qualquer um. Quando o incauto não dava uma entrada, era induzido a cometer erros ou cair em ciladas. Zé Oxó foi o preceptor de muitas lições de educação, espírito solidário, esportividade, compreensão, exemplo, etc. Em um racha de futebol, ao receber uma bola, o Marcão, apesar de ser zagueiro e atrapalhado no trato com a mesma, matou-a no peito e aplicou um lençol no Oxó, e ato contínuo, chutou a gol com sucesso; fato que comentado depois, no pós-pelada pelo Benício e Plínio provocou o comentário do Oxó: “Que jogada? Que chapéu?” – e olhando com desprezo, quase com nojo para o Marcão – “logo esse bocó, esse bosta”. Era muito bom em dar uma sonora gargalhada de troça, o Zé. Escárnio com a nítida intenção de humilhar. Em uma pelada o mesmo zagueiro (Marcão) isolou a bola com ele dividida; e em outra situação em entrou mais duro, ele acrescentou à gargalhada: “você está apelando?! ” Tal risada me deferenciou, quando certa vez, ao me aproximar de um grupo constituído por ele, um cunhado seu e o Sérgio, dei uma engasgada sobre um assunto que eles discutiam sobre política, até por acabar de chegar e estar “boiando” sobre o assunto. Não sei a causa de tal reação, mas ele ganhou o dia, o Sérgio tentou remediar e eu fiquei sem graça.
Achacar moralmente; hoje em dia é politicamente incorreto. Nas ações meritórias dos outros o Oxó era total abstinência. Ignorava totalmente, principalmente se ele fosse desfavorecido. Lembro-me de uma partida de damas que disputando com ele, me pus a analisar por alguns minutos uma sequência de jogadas e seu resultado posicional; depois, comecei uma série de sacrifícios. Quase limpei o tabuleiro, o que me deixou a vitória assegurada. Apesar do susto e da cara de bobo, ele agiu como se nada houvesse acontecido. Coisas assim, constituíam segredo. Da mesma forma, ele sempre perdia as partidas de xadrez.  Acho que foi em uma das últimas partidas que disputei com ele, a mesma estava praticamente ganha para o Oxó que tinha três peças e o rei contra o meu rei solitário, acuado e recuando pela coluna da torre da dama. Eu sabendo que ele desconhecia as regras, conduzi os lances finais de forma que meu rei ficasse “afogado”; e logo em seguida, anunciei o empate. Caramba!!! Depois de muita briga, revolta, vociferações e consulta às regras, o Zé foi obrigado a reconhecer o empate. Depois disso o vi algumas vezes disputando partidas contra um tabuleiro eletrônico e contra o computador (contra esses não há ressalvas morais e nenhum comprometimento).
Um dia, comentou comigo sobre meus poemas. Acreditava que eu procurasse no dicionário as palavras mais “difíceis” (aspas minhas). Não comentei com ele que tais palavras poderiam ser coloquiais para outras pessoas; e, que, quem escreve, trabalha com as palavras que são escolhidas não por serem difíceis; mas, conforme o uso, sua riqueza, sua utilização conotativa e a adequação ao texto.
Era da índole do Zé. Maltratar e cometer violência física e moral contra os sobrinhos menores. Uma vez na pelada se desentendeu com o Wendel e enquanto a turma do “deixa disso” segurava o sobrinho, ele com soco armado, procurava o rosto do mesmo –; ou quando o vi correndo possesso atrás do mesmo Marcão, mas foi detido por que teve o dedão do pé atravessado por um grampo – desses de cabelo; ou quando foi surpreendido e denunciado à mãe por intentar uma voadora contra outro parente menor. Parece que o Oxó não tinha sossego com a molecada. Outra atividade que apreciava era assediar as menores, às quais tinha ascendência de alguma forma; era o segundo mais velho da turma – seu irmão Pérsio era mais velho. Diante de mulheres preparadas ele se perdia – inseguro.
O Zé, certa vez, gastou o dinheiro de inscrição em um concurso no jogo de sinuca e teve que alegar outra coisa aos irmãos e à mãe; em outra, alardeou que seria o primeiro no vestibular de universidade federal e não passou nem para segunda chamada. O Zé Oxó protagonizou inúmeras estórias; nem todas cabem aqui; principalmente suas investidas “contra” as meninas... estórias que ele contava ou que se deduzia observando.

Bem! Faz tempo que não vejo o José Oxóssi Dourado Nunes. Aliás, ele entrou na justiça para mudar o nome (agora é só José Dourado Nunes) – o nome anterior foi escolhido por promessa. Quando nasceu foi acometido por meningite que o ameaçou de seríssimas sequelas e morte; mas benzedores da região dos Brejos de Goiás, com uma “pequena” ajuda da rede pública de saúde de Brasília conseguiram “curá-lo”. Também fiquei sabendo que se casou e passou em concurso público para o Serviço Social. Parece que trabalha com garotos de rua e continua a ser chamado de Oxó.     

 


 
 
Conto publicado no livro Quem vai pegar o morto?" - Fevereiro de 2016