Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

 

A benzição

 

           

Os tios de Yara foram morar com uma filha que foi estudar na Alemanha e o sítio deles ia ficar uns cinco anos desocupado. E eles ofereceram o local para o casal de sobrinhos morarem e tomar conta desse sítio enquanto eles estivessem fora.
Yara e o marido vieram de longe, lá da Paraíba. O casal chegou animado. Foram recebidos por uma empregada que já morava no sítio fazia tempo. - Vocês vão morar na casa grande?  Perguntou Fátima a empregada do sítio. – Sim vamos. Respondeu Yara. A empregada fez uma cara de espanto e ao mesmo tempo de assombro. Yara arrumou tudo, gostou do lugar, da casa e principalmente do clima. Certo dia, quando estava fazendo umas costuras, escutou um raspar de alguma coisa no teto. Parou e ficou ouvindo, como o barulho continuasse, foi chamar a empregada.  – Eu falei com a senhora que não fizesse seu quarto de costuras naquele cômodo, falei para nem entrar lá. A senhora teimou. É ali que mora a assombração “credo em cruz”, respondeu Fátima.
Yara não respondeu, saiu e foi sentar num balanço de jardim e pensou: - Estamos tão felizes aqui, o meu marido está muito animado trabalhando, as crianças estão com as faces rosadas de saúde e estão na escola, não vou perder tudo isto por causa de um fantasma. E lembrando de onde veio: - Lá não tinha água, um calor dos infernos, a plantação não rendia nada, as crianças raquíticas, nem todos os dias tínhamos o que comer. Ah! Fantasma, vamos nos entender, você não sabe o que é a vida no sertão. Quem já passou por tudo que passamos não pode ter medo de assombração. Este fantasma vai conhecer uma mulher corajosa!
No dia seguinte levantou cedo, arrumou as crianças, deixou-as na escola e foi até a igrejinha que ficava no outro bairro. Conversou com o padre e pediu um conselho. Ele falou: - vou lá amanhã para benzer aquele cômodo. E foi o que aconteceu. Passados uns dias ela voltou a costurar naquele quartinho e começou o barulho, o arrasta rasta. Ela achou que era corajosa, mas veio um pavor danado e Yara saiu correndo e gritando. A empregada foi buscar uma rezadeira.  A rezadeira rezou com ervas e outros objetos que ela usava. Quando terminou recomendou: - deixe a porta fechada e ninguém pode entrar aqui até passar três dias e nunca mais vai ter barulho estranho nesta salinha. Tenha fé Yara.
Passado o tempo recomendado, Yara foi costurar. Acredite! O barulho estava maior, como se o fantasma estivesse aborrecido com tanta benzição.
Ela foi para o jardim e desesperada começou a chorar e a se lamentar e chorava muito. O marido que tinha vindo trazer umas verduras para o almoço e vendo a mulher naquele estado e querendo consolá-la prometeu trocar as telhas e o forro da sala de costuras. Chamou mais dois amigos para ajudá-lo. Eles foram, mas não quiseram subir, ficariam embaixo para pegar as telhas. Yara acendeu uma vela e ficou rezando para o fantasma se mudar dali e deixá-la em paz. O marido subiu com um crucifixo e uma lanterna nas mãos. Tirou a primeira telha, a segunda e meio trêmulo colocou um pé no caibro já descoberto e quando foi tirar a terceira telha, alguma coisa passou pela sua perna e ele deu um grito e todos saíram desesperados de medo. E ele caiu sentado em cima das telhas.
O corajoso é o covarde que não tem como voltar atrás e tem que enfrentar a situação fazendo o papel de valente. Ele acendeu a lanterna e iluminou. O que ele viu foi assustador, alguns olhos brilhantes encarando-o e um cheiro que parecia enxofre – era o cheiro do coisa ruim.
Lá embaixo começou a juntar uma multidão com réstias de alho e inúmeros objetos que diziam afastar fantasmas. Fizeram fogueira para queimar ervas poderosas e fazer fumaça que assombração não suporta. Yara chorava e gritava: - Desce daí marido, vamos esquecer tudo isto e vamos voltar para nossa terra. Ele desceu bem devagarzinho e estava todo bambo pálido não conseguia falar o que viu. . O medo é o sentimento mais criativo, só dar corda para ele.
Um rapazinho muito afoito subiu com uma corda na mão, tirou mais umas telhas e deu de cara com a assombração, jogou o laço e pegou a coisa e jogou com força para baixo.  Ninguém se mexeu, entalados com o fôlego não conseguiram gritar nem tiveram pernas para correr. Podia-se ouvir o bater de dentes de tanta tremedeira Enfim o fantasma foi pego!
Surpresa! Não era só um fantasma os moradores do forro daquele telhado, era um gambá e toda sua família. 

 

 
 
Poema publicado no livro "Pé de pato, mangalô, três vezes!!!"- Edição Especial - Junho de 2017