Isabel Cristina Silva Vargas
Pelotas / RS

 

 

Lamentos

 

Reginaldo era um homem ímpar. Pele morena, cabelos castanhos lisos, sorriso maroto. Em criança era uma graça. Tinha um sorriso bonito e um certo ar de timidez. De família pobre, não tinha muitos brinquedos; um caminhão, uma bola, bolinhas de gude, mas tinha muitos amigos.
Não  era de briga e a qualquer desavença ocorrida vinha para casa chorando e quem ia resolver o acontecido, colocando ordem na situação  ou tirando partido  por ele era sua irmã  menor.
Na adolescência seu charme aumentou e ele vivia cercado de mulheres. Parecia que tinha mel a adocicar suas palavras para com elas o que fazia com que disputassem sua atenção e seus carinhos.Tudo isso serviu para que seu ego inflasse e ele passasse a não respeitá-las.
Namorou uma durante uns cinco anos, mas ao sair de sua casa ia para bailes,festas, sem se preocupar se ela ficaria  sabendo ou não. 
Depois dessa moça ,ficou noivo de outra por mais uns quatro anos, porém  seguindo no mesmo ritmo da anterior. Casou com uma terceira que foi a mãe de seu filho. Abandonou-os quando o filho tinha três anos. Vale ressaltar que entre a segunda e a terceira teve um relacionamento efêmero com outra que lhe deu o primeiro filho. Reconheceu-o no registro Civil mas nunca conviveu com ele.
Parou de estudar no início do então curso ginasial, atual ensino  médio. Gostava de futebol e tocava em uma banda escolar  pela qual trocava tudo.Ganharam prêmios  importantes que sempre  gostava de ressaltar.
Começou a trabalhar cedo, trabalhou  em empresa pública da qual pediu demissão, trabalhou em grandes empresas, trabalhou como autônomo, vendeu uma variedade de coisas .
Quando percebeu que ia ficando para trás, que havia desperdiçado um sem número de boas oportunidades que a vida lhe oferecera, tornou-se uma pessoa amargurada.
Não conseguia perceber a própria culpa como causadora do infortúnio. Atribuía  tudo aos outros. Não conseguia ver seus erros o que o impedia de corrigir rotas e condutas. Teve cargo de chefia em empresa, mas foi péssimo chefe. Descontava suas frustrações nos subalternos.
Apesar de todos esses desencontros consigo mesmo e de ter se tornado uma pessoa de difícil convivência por se achar o dono da verdade, prepotente, arrogante  e sempre reclamando de tudo e de todos,fez aos cinquenta e tantos  anos um curso técnico que o habilitou a exercer  profissão no ramo imobiliário. 
Aos sessenta concluiu curso superior por incentivo constante da família que jamais o abandonou tendo sempre a orientá-lo irmãs e sobrinhas. 
Reclamar de tudo era seu hábito. Sequer sabia ser grato com a vida e seus familiares com quem brigava e de quem vivia reclamando .Não conseguia ver o outro lado da situação. 
Uma enfermidade na garganta o fez parar de reclamar. Hoje repousa, eternamente, junto ao pai e a mãe .
No coração  das irmãs  restou um enorme vazio.

 

  

 

 

 
Poema publicado no livro "Muito moinho pra pouco Quixote" - Contos - fevereiro de 2018