João Paulo Hergesel
Alumínio / SP

 

Boxe de orangotangos

 

           

A primeira leitura foi do livro do Gênesis. Do capítulo sobre a Arca de Noé. O padre frisou bem o versículo a respeito do desrespeito do homem. Deus queria acabar com os homens, pois eles eram maus; mas teve compaixão de Noé e o orientou a construir um grande barco para abrigar sua família e um casal de cada espécie dos animais. Os orangotangos estavam na arca, e eu não parava de pensar em como seria uma luta entre eles, um boxe de orangotangos. Pelo que dizem, os macacos sobem no ringue e jogam comida para os bichos todas as vezes que eles golpeiam o adversário. A plateia deduz que o de calção vermelho vai se arrebentar primeiro e aposta no de calção azul. É ilegal, é cruel, é lamentável, é comum em Bangkok. Bangkok é a capital da Tailândia, um país que fica no continente asiático e é o quinquagésimo maior do mundo em extensão territorial. Brasil é o quinto. Mas onde moro está longe de ser a quinta ou a quinquagésima maior cidade brasileira. São Roque é, no máximo, uma das 29 estâncias turísticas do Estado de São Paulo e mais conhecida por ser a cidade do vinho. Vinho é uma bebida alcoólica feita com o sumo da uva e que é estudado pela enologia; para estudar somente a uva, existe a viticultura. Enologia e viticultura, no entanto, fazem parte do mesmo curso universitário. Não há muitas universidades aqui na região, mas nem me preocupo com isso agora porque ainda tenho 13 anos. Em números romanos, eu teria XIII. Em português, a interjeição “xiii” quer dizer que alguma coisa deu errada. Fazer 13 anos foi uma das coisas erradas que me aconteceu e não deu para evitar. Muita coisa acontece e não dá para evitar. Ter pelos nas pernas é uma delas. Basta ir de bermuda para a escola que aparece alguém escondido para dar um puxão e matar de susto e de dor. Mais de dor do que de susto. Alguns meninos encontram a solução para isso indo de calça até nos dias de muito calor; outros se depilam. A depilação masculina ainda é um tabu, exceto entre os atletas. Os nadadores se depilam para o corpo deslizar melhor na água, enquanto os jogadores de futebol se depilam para facilitar o tratamento de hematomas nas canelas. Lutadores de MMA provavelmente se depilam para os adversários não aplicarem um golpe baixo e puxarem os pelos um do outro. Os orangotangos, até onde eu sei, não se depilam. Eu não sou orangotango, mas também não me depilo – porque não jogo futebol seriamente nem pratico natação. Mas encaro uma luta-livre com o filho da mãe que vier me puxar o pelo. Só não ligo se for a Júlia. A Júlia não faz com maldade, sinto isso. Tanto que, quando eu engulo o grito, ela passa a mão e pede: “Desculpa, Natan”. Natan é um palíndromo. Palíndromos são palavras que também podem ser lidas de trás para a frente. Quando é domingo de manhã, e minha mãe me acorda, e eu pergunto o motivo, ela começa com um palíndromo: “Assim, Natan...”. E eu logo entendo: “Natan, missa!”. Nasci numa família católica e venho me mantendo nessa religião, como mais de 60% de brasileiros e menos de 0,5% de tailandeses. A cidade em que moro tem nome de um santo católico. O vinho fabricado na cidade é utilizado nas celebrações católicas. Só não sei se o padre se depila ou se pensa em orangotangos. Sei que ele nos mandou ir em paz – e que Deus nos acompanhe! – antes de imaginar orangotangos dançando tango.

(Conto premiado no Concurso de Contos Alípio Mendes)

 

 

 

 
 
Poema publicado na "Seleta de Contos de Autores Premiados"- Edição Especial - Janeiro de 2017