Letícia Alvarez Ucha
Porto Alegre / RS

 

Volta pela metade

 

 

Eu e Vitória sempre fomos amigas inseparáveis. Quando as férias estavam aproximando-se já fazíamos roteiros de viagem. Nossa amizade começou ainda no Jardim de Infância.
Quando tínhamos nove anos resolvemos visitar um parque aquático. Era a primeira vez que viajaríamos numa excursão sem nossos pais. Nunca tínhamos ido ao Nordeste.
Chegando ao parque, sentimos a brisa do mar batendo suavemente em nossos rostos, o dia era de sol forte e as folhas dos coqueiros balançavam-se lentamente.
Eu por ter a pele muito clara já estava bem vermelha, apesar de ter posto protetor, já Vitória nem se preocupava com esses detalhes.
A fila para andar nos brinquedos era enorme, havíamos comprado bilhetes antecipados com a agência de turismo, mas mesmo assim, não escapamos da longa espera.
Eu não via a hora de experimentar o tobogã, mas Vitória insistia que devíamos ir primeiro no kamikaze.
Já na fila, comecei a ficar tonta, ao ver aquelas voltas inteiras feitas pelo brinquedo, hesitei em entrar no brinquedo, mas minha amiga convenceu-me pela insistência.
As voltas eram tão rápidas que não conseguia nem gritar, simplesmente não saía a voz.
Foi quando de repente, Vitória virou para mim e falou algo que não consegui entender, tamanha era a gritaria.
Ouvimos um barulho estridente, mas não sabíamos do que se tratava. Virei para o lado e vi peças do kamikaze caindo soltas pelo ar. Fiquei suspensa pelo cinto de segurança em uma ponta do brinquedo, naquela confusão inesperada não consegui avistar minha amiga.
Não queria olhar para o chão, mas não resisti a curiosidade e vi que pessoas estavam caídas! O brinquedo havia se partido em pleno movimento.
Finalmente, quando conseguiram parar nos levaram ao hospital Fiquei sem notícias da minha amiga. Tinha receio de perguntar. Meus pais foram buscar-me e a viagem acabou mais cedo.
Um dia minha mãe me chamou até a janela. Veio com uma história que algumas crianças de tão especiais viram “estrelinha” cedo. Começou a falar nas qualidades de Vic. Suspirei, tranquei o choro e corri, não quis ouvir o resto.
No fundo do meu coração, algo me dizia que tinha acontecido algo de muito grave e definitivo com ela. Não tive coragem de ligar para casa dela, porque não queria saber da notícia de seu falecimento.
A morte é algo que todos sabemos que existe mas nunca estamos preparados para enfrentá-la. Muito menos as crianças. Perder um grande amigo na infância é algo que afeta para sempre nossos corações.

 

 

 
 
Poema publicado na "Seleta de Contos de Autores Premiados"- Edição Especial - Janeiro de 2017