Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

Morangos são morangos

 

 

Numa tarde chuvosa e muito fria, sentados diante da lareira, Lira e Roco saboreavam um vinho enquanto esperavam convidados. A conversa transcorria tão agradável quanto o aroma do vinho.
Lira tinha passado por uma experiência dura e sentia-se maturada e envelhecida como um bom vinho. E com isso tinha ficado só o aroma da vida, e comentou: - As coisas vão acontecendo no ritmo delas, estou me esforçando para estar sempre em sincronia com o movimento que as regem. Já passei da fase de querer tudo ao meu jeito e de acreditar que tudo gira porque eu desejo e ordeno. Sendo assim, entendo que sou mais feliz e tenho alegrias e alegrias com as surpresas que surgem diante mim, não procuro entendê-las, mas aceitá-las da forma mais aproveitável possível. A cada amanhecer estou pronta para aceitar o  imutável do dia. E o bom de tudo isto, é que estou livre de culpas e de exigências estúpidas sobre mim mesma. Não quero trazer para mim as impossibilidades de mover a temperatura do meio ambiente e nem a quantidade dos dias de sol ou de chuva. Nem quero responsabilizar as pessoas que comigo convivem por não me amarem tanto quanto eu as amo e nem pensar que meu amor é o de melhor qualidade. Estou aqui como estão os morangos. São morangos porque são morangos. Se são atacados por predadores é porque são deliciosos, e se alguns não desenvolvem tão bem quanto deveriam é porque foram plantados em espaço impróprio e ou mal cuidados. Se são atraentemente vermelhos porque simplesmente são vermelhos. Amo morangos porque são morangos e me amo porque estou, apesar de tudo, vivendo feliz para o sempre de cada momento. Entendendo a vida desta forma não necessito mais de tanta artilharia e nem de fazer tanto esforço para realizar meus sonhos. Os sonhos também são como os morangos: só os realiza quem os cultiva bem e os aprecia de maneira intensa. E Roco reage ao pensamento dela e rebate: - As coisas não são simplesmente porque são, tem a parte de quem as deseja, de quem as força acontecerem. Eu penso que todo o universo tem uma roda que corresponde a certos elementos. - Como assim? Perguntou Lira.  Roco explica: - o centro é único e dele partem as linhas como numa mandala. Seguindo uma ordem de seres que se movimentam sendo que os minerais terminam a mandala: humanos, vegetais e minerais e cada qual tem seu sequente e todos terminam no pó. E se estivermos fora da nossa linha ou alinhamento só teremos sofrimentos de toda espécie e impossível viver em paz. Lira: - Então o que estou passando, na sua maneira de pensar, é um desalinhamento? Roco:- Não sei como se alinha, mas é só observar a natureza, dentro das mesmas espécies tem umas maravilhosas e outras que não conseguem sequer mostrar a beleza individual. Todos somos dotados das mesmas qualidades, não há injustiças o que há é desalinhamento.
Lira: - Então você acha que o avião caiu e meus pais estavam lá e morreram porque estavam desalinhados?
Roco: Sim, por qualquer motivo eles não estavam em sintonia com a energia central e por isso desalinhados.
Lira: - E eu perdi o horário e não fui com eles porque estava alinhada?
Rocco: - De certa forma, sim.
Lira: - E estou sofrendo até hoje, por quê? Não me conformo, sinto muito a falta deles. Sofro doendo.
Rocco: - Você está sentindo-se culpada, saiu do seu alinhamento. É só compreender e aceitar, mas aceitar de verdade com todo seu sentimento, sem buscar culpas ou culpados é o que chamam de perdoar-se. Livre-se dos sentimentos de baixa energia como a raiva, a mágoa, a inveja e o desânimo e então ficará em paz. É uma atitude complicada, não é nada fácil.
Não deixe a vitória do jogo para amanhã, por qualquer razão o próximo jogo pode ser cancelado.
Lira: - É muito difícil pensar dessa forma e viver grata por tudo. Uma taça de vinho, por favor.
Roco: - Neste momento estamos alinhados no amor. Não tenho todas as respostas, mas tenho todos os beijos.

 

 

 
 
Poema publicado na "Seleta de Contos de Autores Premiados"- Edição Especial - Janeiro de 2017