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Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

Meu refúgio

 
Caminhando numa manhã fria ensolarada com uma aragem que sopra suavemente a face de Suzana e lambe seus longos cabelos cor de mel. Passadas ritmadas ela vai em direção ao lugar que chama de meu refúgio. Senta-se em um banco de pedra que fica a sombra de um Chorão, galhos pendentes balançam na força do vento e no chão formam sombras; ora imagens definidas ora rabiscos brincalhões saltitantes assemelhados às nuvens que se confundem com as formas indefinidas da mente da jovem.
        Observar é o grande forte dela, olha, silencia a mente, imobiliza os pensamentos e entrega-se pacificamente como se fosse um elemento da paisagem.
         Ele chega sorrateiramente e senta-se ao lado de Suzana e se integra ao cenário, como sempre faz. O coração dela bate descompassadamente quando nota a presença dele. Não consegue definir o que sente, não sabe se é medo ou pavor, mas não consegue deixar de ir até lá. É como se fosse puxada por alguma magia. Depois as batidas vão acalmando-se devagar e tudo fica inerte. Ninguém sabe quanto tempo dura essa meditação, por onde caminham e o que fazem. No tempo certo alguma coisa ou alguém a traz de volta ao mundo paralelo, onde as pessoas sofrem por tudo e por nada. Meditar é encontrar-se com a parte mais íntima do ser, é entrar na quietude da alma, é dar as mãos à impessoalidade e entregar-se ao estado mais criativo do mundo absoluto. Quando Suzana sai desse transe ele já se foi e deixou em seu lugar uma sensação inexplicável de paz. E como das outras vezes uma linda e singela rosa branca aparece encima banco ao lado de Suzana.
         Duas ou três vezes por semana ela vai ao refúgio. Se perguntarmos o que mais a atrai para aquele lugar, certamente responderá que é conjunto inteiro. É impossível apreciar o sabor de um bolo de chocolate com os ingredientes separados, todos juntos formam o bolo, isolados na individualidade nenhum elemento lembra o prazer de saborear uma fatia de tão desejada iguaria.
         Na sexta-feira quando estava sentada no banco de pedra, ele chegou, e falou próximo ao seu ouvido:
- Podemos conversar? – ela ficou paralisada com aquela voz aveludada tão clara e audível. É a primeira vez que ele fala com ela. Uma emoção estranha toma conta dela.
- Sim podemos. - Suzana respondeu com voz trêmula e sem olhar para ele, tinha medo de ver os detalhes daquele rosto.
- Meu nome é Suzana e o seu?
- Chama-me de Meu Mestre. Toda vez que quiser falar comigo é só pensar em mim e eu estarei ao seu lado.
- Meu Mestre por que só agora resolveu falar comigo? – Ela olha para o quadro em frente que a natureza pinta no horizonte naquela manhã e aguarda a resposta.
  - Porque só agora você está pronta para entender as respostas aos seus questionamentos.
  - Você tem as respostas a todas as minhas indagações? Ela estava visivelmente ansiosa.
  - Sim tenho. Só perguntamos sobre o que estamos aptos a entender e prontos para usar com sabedoria os ensinamentos na vida diária. Quando encontramos uma grande verdade e não compreendemos a beleza que encerra é como dar uma bocada em um pedaço de pedra pensando que é um bolo de chocolate. Julgamos que fomos enganados, mas quem se confundiu foi a pessoa despreparada, com a visão embaçada, com muita fome e assim aceita qualquer prato que lhe é servido sem distinção da preferência pessoal.
- Meu Mestre, fazer a escolha entre um pedaço de pedra e uma fatia de bolo de chocolate só alguém muito idiota optaria pela pedra. – retruca Suzana, sentindo-se humilhada com a comparação.
  - Minha amiga, uma pedra é uma pedra e um pedaço de bolo é um pedaço de bolo. É preciso conhecer muito bem os dois elementos e dominar os instintos básicos para poder fazer o discernimento e paciência para esperar o bolo de chocolate ficar pronto.
    Quando ela ia argumentar percebeu que ele já não estava mais lá.  Ela faz o caminho de volta a casa e telefona para mãe dizendo que vai passar à tarde com ela. Ficou tão confusa que se esqueceu de trazer a rosa. Ou ele não deixou a flor como sempre fazia?
      Tocou a campainha e a velha empregada veio abrir a porta e com um sorriso enigmático – Como a menina está bonita, sua mãe está na sala.
      Casa de mãe tem cheiro de colo, maciez de peito, sabor de infância feliz. Nada é comparável a casa de mãe, na visão de Suzana é a única casa que tem braços, tem boca, tem pés, tem olhos, tem maciez e tem vida e aconchego e sonhos impregnados em cada cantinho.
        Depois de conversar com a mãe e trocar as novidades, Lia a empregada, interrompe as duas, ela ainda com o sorriso enigmático e agora com frisos de cumplicidade, chega à sala e anuncia que o lanche está servido. A mesa cuidadosamente arrumada é o estilo da mamãe, no centro um cobre bolo branco de crochê exibido com orgulho. - Bolo de chocolate!!! O grito saiu da boca de Suzana com tanta alegria que as duas a viram como uma menina de cinco anos.
- Eu ia fazer o bolo de laranja, aquele seu preferido, mas D. Carmem estava com muita vontade de comer bolo de chocolate.
        Coincidência é o complemento de um fato recente, é o mundo absoluto interferindo no mundo relativo é o recado do inconsciente que se materializa, é verdadeiramente a cobertura do bolo.
        Quando Suzana estava dentro do elevador um homem vestido de palhaço ofereceu a ela uma linda rosa branca com um cartão que dizia: O bolo de chocolate estava uma delícia! Assim como apareceu do nada, do nada desapareceu, desmaterializou-se. 

 

   
Conto publicado no livro "Seleta de Contos de Grandes Autores Brasileiros"- Edição Especial - Julho de 2015