Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

 

 

A viagem, na companhia da sogra

 

 

          

Essa não foi a primeira viagem, já foram muitas. Mas sempre a surpresa se repete. Esse nosso mundo cheio de estereótipos, já encarquilhados e ainda presentes entre as pessoas.
Muita admiração dos companheiros de viagem. Por estarmos em família. Manifestavam eles, em palavras, a importância de viajarmos juntos. 
Quando as crianças chegaram, alguns narizes se franziram quase que automaticamente. Viajar 17 dias em companhia de pirralhos? É, muitas horas dentro de um ônibus e ainda aturar as crianças que com certeza vão se cansar e perturbar. Assim, devem ter pensado.
 No deserto patagônico, mais de uma vez, foram mais de 30 horas sem ter onde pararmos. Tantas vezes sem almoçar ou jantar, pois não se encontrava viva alma. Além dos passageiros felizes e encantados com a região. Nem um carro circulando. Nem um posto de combustível.
Os guanacos fizeram sucesso. São eles da mesma família dos camelos, passam até uma semana sem tomar água.  Fogem velozes pela planície a fora; sinal que têm medo de serem caçados.
A choiques, um tipo de ema ou avestruz, encantam pelo tamanho, uma ave especial. Ela não voa apesar de ser uma ave. 
Vimos um tatu ou semelhante a esse. É um animalzinho pequeno, rosado e peludo. É o menor tatu do mundo.  E as maras, uma espécie de lebre.
O deserto argentino é especial com a tundra que não acaba mais. Mas não cansa a vista de contemplá-la. Avistamos até umas quatro alpacas encostadas na cerca. Deviam ter pulado da fazenda de onde estavam.
Uma viagem encantadora. Embora muitas trapalhadas. As crianças encantaram, foram especiais. 
Muitos elogios, “essas tuas filhas são encantadoras. Por isso que os netos são tão queridos”. 
Eu esboçava um sorriso, mas não desmentia. Depois de alguns dias de viagem a surpresa maior.
- Elas são tuas noras?
- Como vocês viajam juntas?
Não conseguiam nem disfarçarem a surpresa ou o encantamento. Noras e sogra viajando juntas? Como pode? Será verdade?
Alguns vinham conversar e sutilmente faziam a pergunta para confirmarem.
Até uma adolescente meiga, aqui na cidade, me perguntou: Você é mãe da Profe??...
- Não, eu sou sogra. Por quê?
-  É que vocês viajaram juntas para a Argentina. Respondi:
- Ser mãe ou ser sogra é quase a mesma coisa. Ela com apenas 12 anos, me olhou espantada e deu um sorriso amarelo.
Pensei: 
- Já está com o seu juízo de valores formado. A sociedade é cruel. E, não permite que as pessoas descubram por si o que é melhor. Já vão incutindo nos pequenos o que é deve ser certo ou errado, segundo o seu julgamento.
Porém, muita alegria. Viagem planejada há tanto tempo. Um sonho desde os tempos de estudante. Conhecer o Fim del Mundo. Ushuaia, um lugar encantador onde se come muito bem.
A centola, um caranguejo gigante, é só lá que tem. Se come cortando os pedaços com uma tesoura. O bife de chorizo, “al punto” uma delícia. A merluza negra também. O pão servido, em qualquer restaurante e, é só na Argentina mesmo. O trigo, onde o grão encontra condições climáticas excelentes, faz a diferença. A cerveja Quilmes, então, não se conta. Aroma suave de cereais. Coloração clara e sabor refrescante. E, o chocolate quente, da Laguna Negra é especial.
Enfim, além de tudo isso, ainda o privilégio de viajar com as noras.
Não sei se elas é que são muito diferentes das outras noras ou se eu consigo ser uma sogra, um tanto contrário as demais.
O papel de sogra é um dos mais difíceis de exercer. É preciso muita paciência. Muito tato e, um jogo de cintura espetacular. É preciso ser muito maleável. 
Muitas coisas não se pode nem pensar. Que tal se acontecem. . .
É melhor ficar de boca fechada.  Engolir fundo e respirar.
As minhas noras são criaturas que fazem os meus filhos felizes, por isso merecem o meu respeito e admiração.
Não sei se são as melhores mulheres do mundo, mas foram elas as escolhidas.
O problema entre sogra e nora é que as duas amam o mesmo homem.
Penso eu:
- Quanto mais pessoas amarem os meus filhos, mais felizes eles serão.
Assim viajamos juntas sem problemas. Elas são carinhosas comigo. Sinto que são as meninas que eu não tive.
E, tanto os homens como as mulheres me veem como uma pessoa distinta capaz de viajar com as noras, sem problemas.
Podemos passear pelos lugares mais inóspitos do Planeta, conhecer um glaciar. Chegar bem pertinho de um pinguim. Admirar as covas que eles fazem embaixo dos arbustos. Ouvir o seu pio bem peculiar e se encantar com o caminhar nada elegante, bem diferente de qualquer outro animal.  
É uma ave realmente incomum. Não há no planeta nenhum bicho que possa ser comparado a eles. É com razão que eles chamam a atenção.
Bem, como todas as viagens que faço com as minhas noras e netos, elas se encantam e despertam curiosidade entre os que descobrem: 
A sogra e as noras viajando juntas. Pode isso?
É possível sim, tudo depende do convívio que existe em família. E, de sabermos que temos mais idade, mais experiência que as nossas noras, por isso devemos ser amigas.

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Seleta de Contos" - Edição 2020 - Maio de 2020