Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

 

A carrocinha de cachorro quente


Eu não existo eu sou! Eu sou um ser único, não há ninguém igual a mim, não há duplicidade de alma, o potencial é individual o que diferencia o ser é a atitude pessoal diante dos ensinamentos.

Sempre soube que quanto mais conhecimento mais difícil é a prova. Que razão teria eu fazer uma prova de alfabetização neste momento? Eu passei por provas de extrema dor, de excesso de cansaço, de desamor, de total desconfiança, de violência, pontuando a escassez. E todas elas me levaram a crer no não merecimento.

Entrementes surgiram na minha vida, não sei nem de onde, pessoas que apareceram e aparecem para me dar um alento, um carinho, uma solução. E então eu ganho ânimo e continuo seguindo com as forças renovadas.

Vou contar uma situação que aconteceu independente da minha vontade: Meu filho de dezessete anos começou cursar a Universidade e foi morar fora de casa em outra cidade. Duas vezes por semana ele treinava Handebol em São Cristóvão no Rio. O treino era à noite e acabava às onze horas. Perto do ponto de ônibus que o levava até às Barcas, para chegar a Niterói, tinha uma carrocinha de cachorro quente, todas às vezes depois do treino ele comia um cachorro quente e o vendedor já o conhecia e eles conversavam sempre. Num desses dias ele quando estava chegando ao prédio onde morava, ligou para mim chorando disse:- Mãe muito obrigada por você sempre rezar para minha proteção. Nesse momento a ligação ficou ruim e ele continuou com voz de choro: - Vou entrar no elevador quando chegar no AP eu ligo novamente. Eu já chorando, porque mãe chora, comecei a rezar e agradecer fosse o fosse que tivesse acontecido com ele, ele estava chegando a casa em segurança.

Ele ligou e muito emocionado relatou o acontecido: - Eu estava estudando para a prova de amanhã e quando vi estava em cima da hora de sair para o treino. Peguei minha mochila que já estava preparada com o uniforme, tênis e tudo que eu precisava. Peguei o dinheiro da condução e saí. Depois do treino, eu atrasei porque o técnico queria conversar comigo, fui o último a sair, nunca aconteceu isso, saíamos em grupo. Para não ter que abrir a mochila no ponto do ônibus eu coloco o dinheiro da condução no bolsinho do short, e foi ai que vi eu não tinha pegado o dinheiro da volta para casa. Nesse momento ouvindo meu filho pensei: Um rapaz com mais de um metro e noventa, bem vestido, bonito pedir dinheiro a alguém aquela hora da noite num lugar “perigoso”, tremi dos pés à raiz dos cabelos, perguntei o que você fez meu amado filho?

Eu não sabia o que fazer mãe, primeiro veio um medo, depois me lembrei de você, como você reagiria numa situação dessas, o que você me aconselharia? Respirei fundo, acalmei, fui até a barraca do cachorro quente e Paulo o dono da barraca falou para mim: - Eu estava esperando por você para fechar, pega o seu cachorro quente. Eu contei para ele o que estava acontecendo comigo. Pega seu cachorro quente e quanto é o seu ônibus e a Barca? Toma e vai em paz garoto. Mãe, não sabia que tem gente tão boa nesse mundo. Ele e eu choramos juntos no celular. No próximo treino você devolve o dinheiro para ele e paga um cachorro quente a mais, foi o que eu consegui dizer ao meu menino.

Foi uma lição muito severa, a aplicação de um aprendizado de que nunca estamos sozinhos e a proteção divina existe e está sempre presente e que mãe é escora, é esteio, é espelho, é confiança. A cidade grande só é perigosa para quem tem medo.

No domingo seguinte ao fato acontecido, meu marido e eu fomos à Fonte pegar água, uma noite de lua cheia, era cerca de dezenove horas. Enquanto meu marido enchia os garrafões um jovem bem vestido, aproximou-se dizendo: - Senhora, eu vim aqui a serviço, perdi minha carteira eu moro em Niterói e o último ônibus para lá é às dezenove e vai passar por aqui daqui a pouco e eu preciso de dinheiro para pagar a passagem e custa tantos reais., por favor me ajude. Eu respondi:- aguarda que vou pegar minha bolsa no carro e dei a ele a quantia pedida e mais um pouco, dizendo para você pegar a Barca. Ele começou a chorar agradeceu e saiu correndo e vi o jovem alcançar o ônibus.

Primeiro veio o ensinamento e depois a prova. A vida é uma escola, seremos sempre alunos ou professores, depende da posição de cada um na coragem de transformar o ordinário em extraordinário.






"Crônicas da cidade"
Fevereiro de 2023

Visitei a Antologia on line da CBJE e estou recomendando a você.
Anote camarabrasileira.com.br/cronicasdacidade-2-009.html e recomende aos amigos