Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

 

O sumiço da medalha

 

Em fevereiro de 2018, numa manhã qualquer, ao abrir o armário pintadinho de branco na Biblioteca, o susto:
- Cadê a minha medalha? Quem a tirou daqui?
No primeiro momento o susto, olhar e olhar outra vez. Não caiu. . .  Não está aqui . . . Não está ali. . .
Foi uma tragédia. Um sufoco, procurar, perguntar, voltar o tempo. . . Uma dor na alma muito grande. Não houve canto ou recanto da casa que não fosse investigado. Buscar, esmiuçar, duas três vezes.
Será que foi roubada?
A pergunta feita, depois da certeza que ela não estava em casa, foi a que surgiu. Mas roubar? Uma Medalha? Por quê? Valor econômico, ela não tem. É muito bonita, bem apresentada. Embora de ouro. Um bom tamanho, o símbolo bem colorido, com cores fortes.
Mas é uma gratificação. Quem iria querer comprar uma medalha nominada?  Tendo o Brasão do Município estampada em uma das faces. E, na outra a Homenagem com nome, com data e, ainda  ressaltando os proponentes. Derreter, não compensa. . .
Foi pensado em todas as hipóteses. Pessoas estranhas, que estiveram  por aqui nos últimos dias?? Foram só os técnicos, mas eram 3 rapazes trabalhadores  e um que os chefiava, não há probabilidade  de abrir uma estante,  retirá-la da Caixa Aveludada,  o seu relicário. E, num passo de mágica esconder no bolso. Que nem caberia, pois é grande e como a insígnia é redonda, rolaria ao cair no chão, faria um bom barulho e, estaria assim denunciado.
Uma caixa bonita de veludo azul escuro. Com a fechadura dourada. Nela estava colocada, em pé, com a fita verde-amarela  representatividade brasileira, segurando-a com distinção.Realmente, um enigma.
As crianças não iriam pegá-la. Fariam o que com ela? Nessa casa o que não falta, são medalhas. Elas cresceram vendo-as e pegando-as até brincando com todas elas. Têm-se medalhas de todo o tamanho, formas e, todas as cores.
Não teriam curiosidade ou prazer em desfazer-se daquela medalha especial.
Foi rezado o Responso de Santo Antônio. Foi pedido às pessoas que rezam, para fazerem o mesmo. Uma corrente de oração. Não se poder perder um presente dado por uma população, com tanto carinho.
Até o bondoso São José, foi invocado. Assim como ele achou Jesus perdido no Templo, seria preciso achar esse galardão. Mesmo no querendo comparar uma medalhinha com o Filho de Deus.
 Mas invocando a carinho dele, a sapiência, pois foi à procura do menino mesmo sabendo que era filho de outrem. A paciência em deixar a Caravana, voltar a Jerusalém. Já estavam a mais de um dia de viagem. De Nazaré a Jerusalém eram 3 dias bem caminhados. A Glória desse homem  nos deixa uma lição muito grande: o menino era o Filho da sua Bem-amada. E, ele O protegeu.
A Medalha Especial de Honra ao Mérito, uma premiação da Câmara de Vereadores. Um presente do povo de Pato Branco.  O recinto da Câmara de Vereadores estava repleto na entrega da honraria.
 Professores com os quais foi compartilhada a sala de aula a mais de 25 anos estavam presentes. Servidores da Universidade, onde há mais de um ano gozando da aposentadoria, lá estavam com os demais, abrilhantando a solenidade. A noite Memorável se repetia como um filme.   E. . .  agora desaparecida. Como conviver com essa realidade. Você ganha uma premiação tão importante e, deixa que alguém a roube. . . Era um desrespeito aos ilustres vereadores, um Edil, como na antiga Roma eram chamados os magistrados.
Muitas noites sem dormir. Tentando desvendar o mistério.
Só sabia que queria e precisava achar a “Minha Medalha”.  
Havia a grande suspeita. Mas como incriminar? Como acusar sem ter visto?
Foi a ela também pedido, que rezasse para Santo Antonio e São José acharem a preciosidade.
Três semanas de angústias, de noite passadas em claro. . .
Não houve cantinho que ela não foi procurada por mais de uma vez.
Toda a manhã ao levantar a ida até a Biblioteca e procurava no estojo. Havia uma certeza que haveria de aparecer.
Não era possível um sumiço dessa forma.
- Mãe já está rezando? Pra quê??
Para encontrar a medalha. . .
E, a resposta. . .
- Ah, nem me lembrei
Então faça o favor de lembrar. E reze. Reze com carinho.
Então uma confissão que até o momento ninguém sabia.
- Eu também ganhei uma medalha da Prefeitura de Soledade-RS.
- E, onde ela está?
- Não sei desapareceu nas muitas mudanças que eu fiz.
Assim os dias foram passando.
E, num domingo, o último de fevereiro, dia 25, Dia de Frei Galvão, pela manhã a primeira tarefa. . .
- Será que apareceu??
O relicário foi pego na mão, erguido da prateleira da estante.Na madrugada . . . A dúvida..
Será que não está embaixo da caixa???
Mal amanheceu o dia, a cama ficou como se tivesse espinho. Foi preciso levantar, mesmo sendo domingo.
Então o ritual, vim ver se tinha aparecido. Foi ela erguida a caixa o seu relicário.   Passada a mão com todo o carinho, dentro do estojo. Querendo sentir a presença da Condecoração Honorífica de grande valor por ser de um povo. O povo pato-branquense. A energia da mão tinha que ter sentido a presença, mas não foi revelada.
Quando a minha nora chegou para o encontro Dominical
E, como ela é sensitiva. . .
Disse:
- Vai ver se você enxerga onde ela está.
- Olha nona, eu a vejo guardadinha . .
Mas onde está o estojo. Não encontrou o estojo bem visível na estante...
A minha angústia aumentou.
Meu Deus e agora se ela não consegue nem ver o estojo como vai encontrá-la???
Subi do porão que é a nossa edícula, mas como originária do Sul sempre será o porão e, um lugar carinhoso onde se passam bons momentos.
E, chegando até a biblioteca. . .
- Olhe aqui onde está o estojo bonito, ainda com a tampa aberta. Mas. . . vazio. . .
Voltando aos afazeres, preparar a salada. Era quase meio dia. Dali a pouco. . .
- O que vou ganhar?? Achei  a MEDALHA. ..
- Aonde???
- Dentro do estojo . . .
Como? Se foi pega na mão hoje pela manhã . .
- Ergui essa parte do veludo e ela, ali estava. Bem acomodadinha. Com a fita toda enrolada, bem apertadinha nela. Estava escondidinha. Acomodada, esperando para ser encontrada.
Mistério maior ainda. Quando desapareceu estava exposta.
Quem a levou, com a consciência falando mais alto, veio devolver. Mas a desculpa, levar e esconder para não ser encontrada de imediato. Assim seria devolvida, sem levantar suspeitas. Mais um ato de maldade.
Com ela na mão, apertei com força. Ergui os olhos e, agradeci ao Deus da Vida. Beijei a medalha. O tesouro estava de volta. Ela é um Prêmio, fui agraciada com essa honraria.
Onde escondê-la para que não lhe dêem sumiço outra vez?
Nessa casa muita coisa desaparece misteriosamente. Trasladado por uma Senhorinha de mais de 90 anos. Uma necessidade, parece que de criança que não teve infância de levar alguma coisa escondida, muitas vezes embaixo da blusa. É preciso ter muita paciência.
- Não Senhora, disse um sábio Senhor, que traz o nome do grande Mestre, Jesus, não vai escondê-la se ela é o baluarte,  um penhor que não tem valor que o substituía, precisa ficar exposta.
Então devolvida ao seu nobre lugar. Na prateleira do armário Branco da Biblioteca. Só que para segurança e, para dar tranqüilidade, as portas agora com uma corrente  e, no cadeado.
Agradecer a quem rezou, a São José, o pai amoroso cuidou, voltou para procurar. A Santo Antonio, tem ajudado a muitas pessoas  a re- encontrarem o que perderam ou que lhes foi tirado.
A “Minha Medalha” está de volta ao seu lugar!

 

 


 

 

 
Conto publicado no livro "Contos Fantásticos" - Junho de 2018