Neiva Teresinha Paludo Chemin
Ponta Grossa / PR

 

 

Lembrando a infância

 

 

          

         Paraíso adormecido pelo tempo... 
A casa grande, de tábuas largas, situada em uma enorme área de terra, quase tudo intocado. Doce encanto de seus habitantes pacíficos, retraídos e muito calados, pelos ensinamentos rígidos de seus pais. Ali morava uma família feliz: nono Emílio, nona Tereza e seus filhos. Lugar em que as tarefas de cada filho eram executadas na maior responsabilidade.
Os quartos eram separados da cozinha por uma grande área de lazer. Capelinha, mesa e cadeiras de balanço. Nessa área, nono Emílio lia seu jornal Correio do Povo.
O entardecer: divinas lembranças... vasos de delicadas flores no corrimão. O chimarrão passava de mão em mão. Conversas jogadas ao vento, mirando ao longe os animais na verde pastagem. Árvores nativas: pitangas, guabirobas, uvalhas e doces amoras.
Entre a cozinha e a área de lazer, uma grande sala de almoço: enorme mesa e duas cristaleiras com louças finas.
Nona Tereza era especialista em fazer mandolate e queijos de um sabor incomparável. Tacho no fogo: mel, amendoim, claras de ovos e farinha de trigo, sempre mexendo até ficar no ponto. No momento certo, essa massa era estendida em uma mesa de madeira e cortada em tirinhas. Estava pronto o mandolate, enrolado com papel de seda branco e guardado em latas grandes. Era para ser oferecido às visitas.
Perita em fazer licores com frutas, os guardava no porão, em uma parte separada e com cadeado. Tachadas de uvada, pessegada, tudo ela coordenava.
O grande perreiral: capricho ao fazer o vinho, pois era sua bebida preferida.
Tinha prazer em tratar as galinhas espalhando milho; colher os ovos fresquinhos...
Outra alegria era encontrar uma ninhada de gatinhos escondidos em cima do forno. O lema era: Onde tem gato, rato não se cria.
Nona amava as flores. Jardim com árvores na frente da casa; uma camélia vermelha logo ao sair da porta da cozinha. Ali ela sentava a desfrutar desse cenário de paz.
Outras peças da casa: uma sala enorme; mesa redonda com cadeiras; sofá de tecido dourado. Na parede o grande relógio cuco batendo as horas.
O rádio em uma prateleira para ouvir as notícias da Argentina, Rádio Belgrano de Buenos Aires: o som era claro, retumbante, sem interferências; suas músicas, inesquecíveis. Outras emissoras eram raras, não captava. Essa sala era para pessoas importantes: Bispo, Padre e Autoridades. Suas refeições eram servidas ali, separadamente.
Ao sair da sala grande, havia uma área em que, à esquerda podia-se descer por uma profunda escadaria de madeira e chegar ao porão; ou, em vez de descer, virar mais uma vez à esquerda, passar pelas duas cadeiras de balanço (uma de frente para a outra - olhar a bela visão ali do alto, o riacho, o pasto e as verdes árvores nativas) e chegar à sala de costura. Mas, se ao sair da sala grande, seguindo reto, passava-se pela área e entrava-se em outra sala menor de onde seguiam-se os quartos, no grande corredor largo e comprido. As portas eram altas e largas; as janelas também. As camas com seus lençóis e colchas brancos impressionavam e espelhavam-se no assoalho de lustras tábuas largas. No quarto do casal: móveis antigos e um cofre cheio de dinheiro.
Sem aparecer, de uma sala menor subia uma escadaria que levava ao sótão. Lá havia uma cama de casal e uma de solteiro. Uma prateleira de tábuas largas cheia de livros antigos, os mais variados, e lousas para escrever. Uma biblioteca.
Os filhos levantavam cedo, acendiam o fogo e seguiam para o trabalho. Mais tarde, o café era servido lá mesmo. Polenta sapecada, salame, queijo e café com leite.
Para o almoço e a janta, antes de entrar em casa, todos iam direto pelo caminho de pedras, contornado de flores, até a fonte de água cristalina, divina, maravilhosa, denominada Fonte da Juventude. A sobra de água corria para um grande tanque que ficava dentro de uma casinha de madeira onde lavavam roupas e tomavam banho.
Um dos filhos, Oscar, o mais alegre, gostava muito de dançar. A grande estrebaria era o palco da dança. Sábado à tarde, depois do serviço, intimava um peão e lavavam bem o ambiente. Para perfumar, amassavam manjericão e espalhavam pelos cantos. O gaiteiro tocava até o clarear do dia.
Getúlio, o mais novo dos homens, trabalhava na lavoura. Tempo da enxada e do arado de bois. Um episódio triste marcou para sempre a sua vida. A roçada de milho estava uma beleza: espigas amarelinhas. Mas, começaram a sumir espigas. Resolveu investigar. Levou a espingarda e ficou de tocaia.
Surpreendeu-se com uma macaca e seus filhotes. Com agilidade ela colhia as espigas, amarrava-as de duas em duas com a própria palha e as colocava nas costas dos filhos. Ela também seguia carregada até o seu habitat. Num impulso, Getúlio mirou. Percebendo, a macaca ajoelhou-se e com as mãos juntas chorou como que pedindo misericórdia. Getúlio atirou, matando-a. Os filhotes tentavam levantar a mãe. Gritinhos de choro, olhinhos cheios de lágrimas...
No começo de 1944, a família ia à cidade em uma carroça de bois; em 1945, de charrete; 1947, automóvel verde com preto; 1952, em uma rural.
Fatos curiosos e cômicos aconteciam. Nono, vestindo um guarda-pó branco para proteger da poeira a roupa de passeio, chegando à cidade o tirava e o deixava na rural.
Um peão muito engraçado, não sabia ler e nem escrever. Mas, nos dias de chuva, vendo todos lendo jornal, não ficava para trás: colocava um velho óculos de sol amarrado com elástico e fingia ler o jornal de cabeça para baixo.
Ao longo do tempo, a encruzilhada da vida chegou. Nona Tereza estava sozinha naquela casa de tantas alegrias. Queria ficar ali, em seu castelo.
Não teve jeito... Com enorme dor no coração suspirava: a sua alma chorava...
Em cima da grande mesa da cozinha: sua carteira, um pente e um creme Rugol.
Com a voz rouca, abriu a última cervejinha. Tomamos com um nó na garganta.
Naquele momento, seu castelo de areia havia tombado. Tudo tinha mudado, não era mais a dona nem de seus próprios sentimentos.
Eternas lembranças da minha querida infância, recordo e escrevo com saudades sem fim...

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Contos Premiados" - Edição 2019 - Abril de 2020