Maria Ioneida de Lima Braga
Capanema / PA

 

E haja besta!...

 

          

O ocorrido que vamos contar aqui aconteceu de fato.
Era eleição para prefeito.
O candidato era Copérnico. Nascido e criado na cidade, duas vezes prefeito e de vasta carreira política e também o favorito nas pesquisas.
A mulher antes de dormir não esquece de alertar o marido:
- Amanhã é eleição, vamos sair às sete. Não esquece, não, viu?
 - A votação só começa as oito -  Ele resmunga sem desviar os olhos da televisão.
- Mas, a nossa fila é danada de grande, esqueceu foi?
O casal acordou cedo, não podia correr risco de se atrasar.
Ainda bem que votavam na mesma secção.
Vestiram a melhor roupa, ela conferiu os documentos e saíram.
Aqui acolá iam sendo atrasados pelos entregadores de “santinhos” e os velados.
“Vê lá hein? “Já sabe, né? ” “Olhe o número!”
O último, “Não esqueça de confirmar e ouvir o barulhinho! ” Passava longe... Ops! Mas, de obedecer ao limite da famosa “boca de urna”.
Sei que finalmente chegaram a escola em que votariam.
Na frente algumas pessoas dispersas aguardavam – nunca se sabe por que essas pessoas sempre ficam por lá - o resultado não é só no final?
Deixa para lá. Vamos ao que interessa.
Já passava das nove horas e o sol estava de lascar. Tudo correu nos conformes.
Longe há uma boa distância da saída, um grupinho descia a lenha em Copérnico.
A ouvir o nome Copérnico o casal encostou e o homem já exasperado:
- Vê lá o que está dizendo rapaz. Seu imbecil – falou o marido raivoso - soltava fogo pelas ventas - Lava essa boca suja, imunda, desgraçada para falar do meu candidato.
Era um cabo eleitoral desses muito exaltado e bem bajulador. Aos gritos rememora as grandes virtudes de Copérnico como governador e sua vasta carreira política. Para ele era Deus no céu e Copérnico na terra. 
A discursão acirrou-se de causar dó.
- É preciso o retorno das coisas. Eu acredito fielmente na reciprocidade...  Disse um do meio. Longe de apaziguador, só metido a falante
- Muito bem! Muito bem!  - Foi ovacionado.
- É isso aí, já ganhou! – Gritou outro mais exaltado.
Quem é essa tal de Reci. Reci...?  - Perguntou o marido engasgado, mais ridículo que até mesmo a discursão -. Não aparece nem nas pesquisas. Bando de otários. Já disse. O prefeito é Copérnico. Ele é o cara certo pra governar isso aqui...
 Uma plateia sedenta. Esperando o circo pegar fogo explode em assobios.
- Fiiiiuuu. Fiiiiuuuu. Fiiiiuuu. Fiiiiuuuu Fiiiiuuu. Fiiiiuuuu.
- Cai fora baba ovo. Canalha desgraçado.
E um espectador já cansado de ouvir tanta baboseira e “xaleirice”, gritou bem alto e revoltado:
- Parem com isso, bando de desocupados. Vão para casa dizer para os filhos de vocês “Estamos brigando por quê, pelo o quê”?   “Claro que não sabem”. Fazer barulho assim, à toa nunca vai dar em nada. A ordem é se unir na luta para derrubar aqueles que nos sugam, nos roubam e nos tiram a moradia, a saúde e a educação. “Canalha!!? Um cidadão do bem? Nunca! Que absurdo!... “Só existe canalha no poder”. E agora vazem todos daqui. Vamos, vamos! Xô, fora que já chamaram a polícia e ela está chegando!
Nunca se viu um local ser esvaziado com tanta rapidez...
Opa! Que despropósito.
Esqueceram os cofres públicos?
Oh, povo de memória curta!
E tenho dito...

 

 
Poema publicado no livro "Data venia!... E tenho dito!" - Contos - Março de 2018