Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

 

Fotografando fantasmas


Sempre amei ver fotos e também fotografar. Para mim, nas fotos tem sempre algo que precisa ser observado com minucioso cuidado, deixar um tempo maior de exposição ao olhar para que o processo de sensibilização seja aliado à mente para ver um pouco do invisível e escutar inaudível. Então surgem os detalhes, até fantasmas... Por isso tem fotos que toda vez que olhamos para elas sentimentos são reproduzidos pela câmera emocional da memória como manifestações transcendentes que nada mais são do que a máquina fotográfica mostrou e nem todos conseguem perceber.

Meu aniversário se aproximava, meu marido queria comprar uma máquina fotográfica, não profissional, mas bem moderna para substituir a que eu tinha que estava bem antiga com poucos recursos.

Ele foi a um Studio de imagem de um amigo explicou o que queria. O dono da loja, considerado o melhor fotógrafo da cidade, falou para ele: - Compra outra coisa para ela, porque o que está vindo de câmeras por aí as máquinas que temos vão para museu, esta aqui é excelente pode levar, nem vou cobrar, leva uns filmes também.

Quando ele chegou a casa contou para mim que o fulano estava ficando maluco. Relatou com detalhes o que aconteceu no Studio fotográfico.  Pouquíssimo tempo depois do fato o novo sistema de imortalizar a imagem tornou-se simples, fácil e muito mais em conta através dos celulares.  Nem todos aplaudiram, pois muitos produtos que eram comercializados, lojas especializadas e profissionais a fim deixaram de existir.
Fotografar é segurar e codificar o momento físico ou espiritual para eternidade, armazenando no tempo comum para que quaisquer olhos os decodifiquem em algum instante real de existência.

O fato do presente de aniversário trouxe uma lembrança da infância. Um dos meninos da vizinhança encontrou nos guardados do avô uma máquina de retrato, daquelas bem antigas de metal. O avô vendo o interesse pelo objeto deu para o neto. Jota foi lá para casa, combinou com um dos meus irmãos para tirarem fotos dos colegas da rua. Jota falou para um amigo e ele se encarregou de contar para os outros. Data e hora que seria tirado fotos sem cobrar um centavo... Numa época que ter uma ferramenta dessas era quase impossível, todos os convidados compareceram.

Foram para o gramado, se instalaram debaixo de uma frondosa árvore. Um de cada vez, a fila ficava num ângulo que não dava para as outras crianças verem quando eles tiravam as fotos.

Tinha uma cadeira, a criança ficava sentada na cadeira e o fotógrafo dizia: - fica em pé, senta e levanta os braços, agora fica novamente de pé e cruza os braços, agora senta com as mãos para cima. Nesse momento o meu irmão tirava a cadeira e o fotografado caía no chão. A criança ficava furiosa e os dois riam a valer. Os dois convenciam o amiguinho dizendo:- Fica aí e não conta nada a ninguém, vamos fazer o mesmo com os outros. E assim acontecia a tarde toda até a fila acabar. A tarde passava com muita alegria, no final da reunião todos saíam felizes. São pequenas frações do tempo precioso de brincadeiras infantis com momentos únicos que todos nós tivemos.

Jota, o menino que ganhou a câmera do avô, cresceu, foi morar em outra cidade, trabalhou e comprou uma máquina profissional. Passou a fazer fotos de verdade em ocasiões comemorativas e se tornou um entendido no assunto.

Uma das amigas daquele grupo de infância convidou para ele fazer as fotos do casamento dela.  Ele querendo mostrar capacidade na hora de fotografar, subiu no telhado da igrejinha, deitou no chão quando a noiva saiu do carro, outras peripécias procurando ângulos para conseguir imagens de grande diferencial, ousar nos efeitos para ultrapassar as limitações comuns.  Ninguém que estava presente esqueceu esse retratista. Na parte mais emocionante da cerimônia, a bênção das alianças, ele subiu em um dos bancos perto do altar, que estava vazio, foi andando para a pontinha do banco para fazer uma foto espetacular. O banco levantou e virou, ele caiu no chão a máquina bateu na parede voando pousou no véu da noiva,  ele ficou preso debaixo do banco.

As fotos que estavam na câmera fotográfica, com instantes congelados para sempre, foram reveladas e ficaram incríveis.

Um retrato nos permite olhar para trás como espelho testemunhando um fato que não pode ser negado. É como fotografar fantasmas vividos e que podem ressuscitar da tumba da alma na simples visão de uma fotografia.





"Essa gente nervosa"
Fevereiro de 2023

Visitei a Antologia on line da CBJE e estou recomendando a você.
Anote camarabrasileira.com.br/essagentenervosa22-008.html e recomende aos amigos